Faria hoje anos minha mãe. Nasceu em 1917. Faleceu uns dias antes de completar 68 anos de vida, em 1981. Celebro a sua vida e as saudades que me deixou. Mas um dia, sem se despedir, faleceu no Hospital de Coimbra, onde esteve internada.
Há dias em que, sem dar por isso, estou a pensar como seria se ela cá estivesse. Teria a possibilidade de a abraçar, de a beijar, de a continuar a amar. Dir-lhe-ia todos os dias, até mais de uma vez, que a amava muito. Só depois das mães partirem, sabemos quanto nos fazem falta, quanto as amamos e quantas coisas ficaram por dizer. Fica uma saudade imensa, saudade feita de
silêncios, outras vezes com vontade de gritar para retirar essa saudade do
lugar que faz doer. Porque as mães vão embora para sempre? Beijinhos para o Céu querida mamã
PARA SEMPRE - Carlos Drummond de Andrade
Por que Deus
permite
que as mães vão embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.
Ela fez-me falta. Faz-me falta. E fez também falta às pessoas a quem ajudava sem querer dar nas vistas:
- À Cândida que era cega e não tinha dinheiro para viver. A mamã comprava uma galinha, condimentava-a saborosamente, cozinhava-a com arroz e mandava entregar a casa da Cândida dois ou três bocados, dos maiores... e que não tivessem osso.
- Ao Larula, que, por ser doente mental, se esquecia das horas de regresso a casa e acabava por encontrar uma palheira (casa de fazenda), da nossa quinta onde se guardava a palha para os animais, os objectos de lavoura. Logo que a mamã se apercebeu que o Larula procurava a palheira, mandou por lá uns fardos de palha para fazer de colchão, uns cobertores e até um travesseiro.
- Quem seria capaz de pagar da sua magra pensão mensal a um trabalhador que preparasse um grande espaço de terra e plantasse "flores para os finados"? E a mamã, com muita dificuldade, ia regando as flores, ia dando-lhes ânimo para crescerem e serem bonitas. Chegada a hora, pagava mais uma vez a quem lhe fosse cortar as flores e fizesse umas coroas ou ramos e mandava entregar a casa das pessoas que conhecia cuja pensão era bem magra e que teriam de comprar as mesmas para por na campa dos seus finados.
São tantas as recordações que me vêm à memória e me deixam saudade, querida mamã. Neste momento recordo uma pequena parte de um poema de Fernanda de Castro (1900-1994) que soube descrever o que são saudades:
As coisas falam comigo
numa linguagem secreta,
que é minha, de mais ninguém.
Quero esquecer, não consigo.
Vou guardar na mala preta
esta dor que me faz bem.
Fernanda de Castro, in "E Eu, Saudosa, Saudosa"
Eu não guardei as saudades na mala preta, porque ela não é, nem nunca foi, suficientemente grande para guardar tanta saudade. Essas eu deixo-as no meu coração que tem o tamanho deste mundo e do outro. E não para despedida, porque nunca me despedirei de quem amo, envio um beijo para o Céu neste dia de homenagem a minha mãe, com os meus agradecimentos por tudo o que fez por mim - e isso não tem conta pelos números que aprendi.
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