Se antes, ninguém se atrevia a dizer “estou à rasca”, sem primeiro pedir desculpa, por usar um termo calão, hoje dizê-lo parece ter ganho actualidade. É sinal de protesto, rebeldia e até serviu de mote a uma manifestação de rua, de uma geração que assim se intitulou para gritar que vive “em dificuldade”. Em bom português, este adjectivo tem conotações muito mais negativas, do que simplesmente, estar em dificuldade. Usa-se para qualificar o mau gosto, a má qualidade e classifica muito negativamente, a realidade, à qual é atribuído. Rasca significa então reles. E, uma pessoa ou uma coisa reles, não presta.
Compreendo que os jovens precisem de expressar o seu protesto, mas assumir que são ou estão à rasca é, desde logo, sintetizar as suas dificuldades numa designação que desqualifica e é sinónimo de desistência. Apresentando-se como geração à rasca, reduzem-se às circunstâncias, dificuldades, frustrações e faltas de reconhecimentos. Esquecem-se de si mesmos, do que são, dos sonhos que têm e das ambições que podem fazer a diferença. Havia que classificar o protesto? Talvez! Mas recorrer a um adjectivo que empobrece o sujeito ao qual é aplicado e significa perda de meios, incapacidade, falta de qualidade, só pode matar a esperança.
As palavras têm força e os jovens, protagonistas de mudanças sociais, são capazes de forçar a sociedade, os movimentos políticos e cívicos, quando defendem os direitos humanos e apregoam o que falta para se poder sair dessa dificuldade, do desespero. São utopias, mas que apregoam o sonho não o desespero. Ainda hoje, há quem use a expressão “Paz e Amor”, um mote que teve a força para inspirar atitudes positivas, canções de protesto, alimentar ambições e entusiasmar os maus audazes.
Rotular uma geração de rasca, ou mesmo que seja à rasca, apesar do contexto de liberdade, democracia, acesso à escola pública e alargamento das universidades e do ensino profissional, é promover o eterno fatalismo português. É alimentar, não o sonho de ser melhor e de querer mais, mas o desespero de não ter e de não conseguir. Esquecem-se que a liberdade que apregoam foi conquistada por outros jovens, há menos de quarenta anos; que a escola pública para todos onde andaram, é um ganho da democracia que sempre conheceram como regime.
A geração jovem não tem de viver agradecendo a liberdade ou a democracia que as gerações anteriores conquistaram para o seu país, mas também não devia, apenas e só, gritar o desespero e a frustração por achar que não lhes dão o lugar e o reconhecimento que lhes é devido. Herdamos um país pouco escolarizado, sem um tecido económico capaz de resistir às crises, com um sector primário marcado por décadas de atraso, que não investiu no ensino para todos e fez da universidade um privilégio. Por não terem sido ambiciosos para o futuro, vivemos o presente com dificuldades.
Não queiramos fazer o mesmo às gerações vindouras. Sabemos que a escolarização, a formação e a qualificação continuam a ser as únicas estratégias de desenvolvimento que podem fazer Portugal ser diferente e fazer melhor. Enquanto não acreditarmos nisso, mesmo que os resultados ainda não sejam os que desejamos, vamos estar à rasca!
(publicado no Açoriano Oriental, a 28 Março 2011)