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Transcrevo com a devida vénia do JORNAL DO AUTARCA, DE MOÇAMBIQUE PUBLICADO NO DIA 30 DE OUTUBRO DE 2012.
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Transcrevo com a devida vénia do JORNAL DO AUTARCA, DE MOÇAMBIQUE PUBLICADO NO DIA 30 DE OUTUBRO DE 2012.
Cultura e Mentiras" por Mia Couto
"Grave é fazer uso de uma cultura de falsa identidade do tipo nós africanos somos assim para credenciar a dominação histórica de um determinado grupo ou para justificar o injustificável"
"Grave é fazer uso de uma cultura de falsa identidade do tipo nós africanos somos assim para credenciar a dominação histórica de um determinado grupo ou para justificar o injustificável".
Leio hoje que um terço da população swazi vive numa condição de fome e completamente dependente da ajuda alimentar de emergência. Enquanto isso, chegam notícias que o Rei da Swazilândia gasta milhões de dólares na aquisição de um avião particular e na compra de moradias de luxo para as suas dezenas de esposas.
A justificação usada é que a opulência e ostentação dos chefes africanos é uma questão «cultural». A cultura é, com frequência, usada como lixívia para lavar imoralidades e uma forma de colocar como «estranha e estrangeira» preocupações de mudança. O argumento é este: quem critica o Rei da Swazilândia está culturalmente alienado dos valores «africanos». Invoca-se a tradição «africana» para justificar práticas eticamente inaceitáveis na África dos nossos dias.
"Grave é fazer uso de uma cultura de falsa identidade do tipo nós africanos somos assim para credenciar a dominação histórica de um determinado grupo ou para justificar o injustificável".
Leio hoje que um terço da população swazi vive numa condição de fome e completamente dependente da ajuda alimentar de emergência. Enquanto isso, chegam notícias que o Rei da Swazilândia gasta milhões de dólares na aquisição de um avião particular e na compra de moradias de luxo para as suas dezenas de esposas.
A justificação usada é que a opulência e ostentação dos chefes africanos é uma questão «cultural». A cultura é, com frequência, usada como lixívia para lavar imoralidades e uma forma de colocar como «estranha e estrangeira» preocupações de mudança. O argumento é este: quem critica o Rei da Swazilândia está culturalmente alienado dos valores «africanos». Invoca-se a tradição «africana» para justificar práticas eticamente inaceitáveis na África dos nossos dias.
Na realidade essa tradição é invocada de forma truncada, esquecendo-se duas coisas: a primeira é que a tradição também sugere outras obrigações (hoje convenientemente esquecidas) e, a segunda, é que essa tradição é, em grande parte, uma construção feita e refeita ao longo do tempo. Persiste uma confusão deliberada entre cultura e tradição. A cultura é um grande saco, tão grande que pode lá caber tudo. É muitas vezes um expediente que pode ser usado para sancionar o intolerável. Eu vejo, por exemplo, que se criou entre nós uma desculpa comum para justificar a falta de pontualidade. Não é só entre nós mas em todo o continente. Dizermos chegar atrasado é uma «questão cultural». Mais grave ainda: imputamos essa falta de pontualidade àquilo que uns designam de «cultura africana».
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