MAQUILHAGEM
Numa
herdade da planície alentejana havia um galinheiro. Habitavam-no dezenas de
galináceos os quais, como em todas as comunidades, conviviam, melhor ou pior,
uns com os outros. Por lá também se pavoneava um galo que, devido à sua fraca figura,
era mais ou menos ignorado pelos seus companheiros. O coitado, devido a isso,
vivia muito infeliz. Tal como muita gente que nós conhecemos, ansiava por
protagonismo. Mas não o tinha.Magoado com os seus pares, decidiu abandonar a capoeira procurando outro galinheiro onde lhe manifestassem respeito e admiração.
Um dia, postou-se bem junto à porta de saída da capoeira e, aproveitando um momento de distracção da tratadora, esgueirou-se colado à rede e fugiu, correndo como um louco pelo montado.
A ânsia de escapar-se era tão grande que, já na aldeia, nem reparou nuns andaimes ali postados e neles embateu com ímpeto. Sobre as pranchas trabalhava um pintor que sustinha uma lata de tinta. Tinta azul. Não esperando a pancada, o pintor deixou escapar-se-lhe a lata de tinta que se derramou sobre o aflito fugitivo. O pobre ficou com todas as penas cobertas por uma linda coloração azul. Bonito sarilho! E agora? Questionou-se o galo transvertido. Com esta cor berrante depenam-me vivo! Oh! Triste sina a minha…
Decidiu então voltar para o galinheiro, embora receando retaliações por parte da tratadora e, quem sabe, dos próprios companheiros. Seja o que Deus quiser, pensou.
Quando regressou à capoeira, foi recebido com
bastante reserva e com compreensível estranheza mas, vá lá, sem animosidade
agreste. No entanto, o seu novo visual intrigou e até inquietou os outros
galináceos. Então, face à atitude dos seus pares, o nosso galaréu,
inteligentemente, concluiu que até poderia tirar proveito da situação. Exibindo
exuberantemente o seu novo “look” (como agora se diz!) a pouco e pouco foi
adquirindo o poder na capoeira destronando, com espertalhona perspicácia, os
galos que até aí dominavam o gueto. Impressionados, os seus companheiros subjugaram-se
ao domínio do venerável galo azul e serviram-no como se de um rei se tratasse.
Entretanto, o tempo foi passando, calmo e próspero, para o novo senhor e para a sua comunidade.Com o findar do verão, chegaram as chuvas. Água bendita para as secas terras, mas maléfica para o cerúleo galo que via progressivamente a tinta azul diluir-se.
Despido da coloração e regressado à sua modesta figura original, os outros galos, as galinhas e até os franganotes chegaram à conclusão que o seu pretenso rei não estava afinal possuído de poderes sobrenaturais e não passava enfim dum desavergonhado impostor. Tinham caído num indecente embuste e, vai daí, expulsaram o intrujão.
Parece que
nem todas as histórias acabam assim. Muitas vezes o embusteiro, cioso do poder
de que se apropriou, transforma-se num indesejável tirano e, usando de
maquiavélicos estratagemas, conserva a sua magistratura por dilatado período de
tempo. Talvez o leitor se possa recordar de pessoas que, utilizando truques e
sofismas, conseguem alcandorar-se a posições dominantes sem que sejam dotados
de saberes e competências que os recomendariam para o exercício dessas funções.
São esquemas de sedução semelhantes aos usados por alguns espertalhões (ou
espertalhonas) que se servem de perucas, pestanas postiças, farta maquilhagem,
etc. O galaréu usou a tinta para poder dominar a capoeira. Alguns utilizam
outros subterfúgios: o compadrio, a corrupção, o partidarismo e outros jogos
sujos de interesses. Entretanto, o tempo foi passando, calmo e próspero, para o novo senhor e para a sua comunidade.Com o findar do verão, chegaram as chuvas. Água bendita para as secas terras, mas maléfica para o cerúleo galo que via progressivamente a tinta azul diluir-se.
Despido da coloração e regressado à sua modesta figura original, os outros galos, as galinhas e até os franganotes chegaram à conclusão que o seu pretenso rei não estava afinal possuído de poderes sobrenaturais e não passava enfim dum desavergonhado impostor. Tinham caído num indecente embuste e, vai daí, expulsaram o intrujão.
Até que um
dia, começa a chover…
2012-10-18 Carlos
Brandão de Almeida
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