quarta-feira, 17 de agosto de 2011

MÃE PRETA - romance - Pedido de matambira para ir nas minas do Jonas

Um excerto do romance MÃE PRETA, a sair em Setembro de 2011:


embondeiro ou imbondeiro
Ouvi bater muito levemente à porta. Mais um toque suave.
– Senhora Lina, senhora Lina.
Quem seria? Chamava tão baixinho que mal se ouvia. Abri a porta. Ao ver uma vizinha de meia-idade, que se curvou pondo as duas mãos num cumprimento e quase se ajoelhou à minha frente, perguntei-lhe o mais meigamente que me foi possível:
– Diga, Regina Mbumba, precisa de alguma coisa? A mulher olhou para o chão, sem dizer palavra.
– Diga, Regina, diga. – Como ela não respondeu, mexendo e remexendo as mãos e olhando sempre para o chão como quem tenta descobrir uma quinhenta escondida debaixo da terra, sinal de nervosismo e de dificuldade em transmitir o que precisava, peguei-lhe nas mãos e ajudei-a a sentar-se na soleira da porta, sentando-me a seu lado.
– O que precisa? diga, Regina.
Numa voz que mal se ouvia, disse a medo:
– O Paulo quer ir trabalhar nos mina do Jones.
Sorri-lhe, encorajando-a a prosseguir. Como ela não continuou, tive de a pôr à vontade, percebi de antemão a atrapalhação da minha conterrânea.
– Ele tem estado a trabalhar na Companhia de Açúcar no Dondo, não é?
– Sim, juntou pouco dinheiro, agora quer ir trabalhar nos mina.
– O dinheiro não chega, precisa de mais dinheiro para a viagem, não é?
A mulher olhou pela primeira vez de frente, com um semblante mais desanuviado. Tinha sido entendida sem precisar de pedir aquilo que tanto lhe custava.
– De quanto precisa, Regina?
– Quinhento escudo, senhora Lina. Depois paga quando ele mandar matambira.
– Espere um pouco, Regina, vou já trazer o dinheiro.
– Eu pode pagar com cabrito. Agora ter dois, e cabra vai ter cabrito.
– Não, Regina, guarde o cabrito para quando o Paulo vier no Natal, para comer com a família e os amigos.Ele paga quando vier. E se ele não pagar da primeira vez que vier, paga na segunda. Não se preocupe, Regina.

Enquanto estava a tirar o dinheiro do lugar onde o tinha guardado, pensei mais uma vez que havia uma submissão da mulher africana ao seu marido. A mulher africana, principalmente a que nunca saiu da aldeia, não tinha direitos. Ela era escrava do homem, servindo apenas para trabalhar e ter filhos. E o homem podia ter várias mulheres. Sofriam caladas, por hábito, por costumes antigos, ou com falta de coragem para lutar contra esta situação. Precisavam de ajuda para fazerem valer os seus direitos. Eu poderia ser essa guia. Mas como? Não me poderia intrometer nas suas vidas, não conhecia os seus problemas, não partilhava as suas dores, não conhecia os seus sonhos. Será que também tinham sonhos, as mulheres simples da minha aldeia?
Se elas gostassem de mim, de certeza que partilhariam comigo os seus problemas. A culpa era minha, porque nunca fui capaz de lhes inspirar confiança, mostrar-lhes a minha disponibilidade para as ouvir, envolvê-las na minha amizade. Seria altiva demais para elas? Tentei sempre não o ser, mas ter saído muito novita da terra não ajudou. E os estudos também nos distanciaram. Tinha-se cavado um fosso entre irmãs.

Autora Celeste Cortez. 
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