domingo, 20 de fevereiro de 2022

A PALESTRA - por Celeste Cortez (escritora de romances e literatura infantojuvenil)


A Palestra -  por Celeste Cortez (19-2-2022)

“Ontem abri” um email que me foi enviado, referindo que iria haver “amanhã” uma palestra intitulada “CENTENÁRIO DA 1ª. TRAVESSIA AÉREA DO ATLANTICO SUL, online, através de um LINK. Hoje, sábado, preparei-me devidamente. Até tenho um lenço ao pescoço a condizer com as flores da blusa, que por sua vez combinam com as rosas das cortinas do escritório, que são tão lindas. Uns brincos grandes que espero me fiquem bem. Escolhi um casaco preto, não apenas por causa do frio, mas para estar bem vestida. Trouxe um jarrão de flores para o escritório, - aquelas flores artificiais que parecem mesmo verdadeiras -,   num arranjo que fiz no jarrão de prata, para evitar que o ZOOM dê uma perspetiva menos cuidada do meu escritório!

Apronto-me e apronto a câmara do computador. Clico. Clico no LINK (link aquilo que nos fornece a ligação). Quanta emoção. Quantos agradecimentos pelos maravilhosos progressos das tecnologias que nos ajudam a aprender, a recordar, a estar em dia.

Entrei na “sala” – é assim que se chama estarmos à frente do nosso computador, na nossa casa, à espera que nos deem acesso ao ecrã onde se veem outras pessoas e, não se veem todas as presentes, parece que há pessoas que ficam nas “laterais”, invisíveis, mas estão na sala!!! Mas nós, os que clicamos, conseguimos sempre ver-nos a nós próprios, sabemos e até pudemos tirar uma foto que ateste que estamos presentes, até a podemos mostrar aos nossos amigos: “Veem como sou evoluída, até assisto a conferências virtuais! Mas como ia a contar, vendo-nos uns aos outros, devemos estar sempre bem compostos e não como algumas pessoas fazem, deitarem-se num sofá ou estarem a beber um sumo artificial por um copo de cozinha. Ao menos que bebam um chá, uma água, um copo de sumo natural, em copo de cristal, para causar boa impressão! Bom mas isto é o que eu digo, não é o que eu faço, não tem de se beber nada, o consumo é por conta da casa – da nossa própria casa.

Volto atrás, para explicar que a “sala” não é bem sala, é antes uma antecâmara, como se fosse o átrio do nosso prédio antes de entrarmos para o nosso apartamento. Mas chamam-lhe “sala” vá-se lá saber porquê! A diferença de uma sala a sério é que estas salas para se ouvirem palestras, nunca têm mobília, nem quadros, é apenas um espaço à frente dos nossos  olhos, onde, numa certa altura – eu ia a dizer na altura que o LINK decide, abre um espaço no ecrã do computador e, sem sairmos da frente dele,  vemos pessoas virtualmente, mas pessoas que na realidade existem. Às vezes conheço algumas e cumprimentamo-nos com um “clic”, sem olharmos uns para os outros! Não é por vergonha não, é porque estamos todos empenhados em ouvir tanta sabedoria que ali se ouve.  

Mas hoje não consegui entrar na sala e, no átrio ou corredor não estava ninguém à espera. Estranhei.

Fechei o LINK, voltei ao início. Regressei ao email e de lá, trazendo novamente o LINK e a senha (para que servirá a senha? Nunca ma pediram!). Regresso à sala, ou se preferirem, ao átrio da sala onde se vai desenrolar o espetáculo. Que coisa, não me estou a explicar…claro que não será um espetáculo do LA Féria no Politeama em noite de estreia… é a palestra de que me avisaram através do computador. Clico. Clico novamente, mas a entrada para a “sala” não abre. Não abre sequer uma fisguinha para eu espreitar, ou me esgueirar lá para dentro.  Provavelmente a secretária adoeceu. Penso na Carla, sempre tão simpática, que não esteja doente, não, ela faz falta. (aqui é a secretária da S.G.L. que costuma num “clic” ou “click” se preferirem”, ligar-nos, pôr-nos em conexão com o que se está a passar, (o palestrante e os que ficam sentadinhos, à frente do ecrã, nas suas casas).

Olho para todos os lados do ecrã para a página que deveria ser a antecâmara de entrada para a tal “sala”e reparo que à frente dos meus olhos estava um papel - não vi quem o colou, nem quando o fez -, o papel dizia: a reunião é às 3 A.M. Sei que este A.M. em inglês quer dizer 3 horas da manhã, como 3 P.M. quer dizer 3 horas da tarde. Ou explicando letra por letra… (ficou-me a mania de ensinar) AM e PM são siglas com origem no latim que são usadas para definir os dois períodos do dia formados por duas partes de 12 horas. AM (do latim Ante Meridiem e PM do latim Post Meridiem) Ena pá, sei tanta coisa! Valeu a pena ter andado na Witswatersrand University!

Olho para o lado onde o meu marido está no nosso escritório, na nossa casa. Pergunto-lhe que horas são, porque ali, no ecrã diz que a palestra está agendada para as 3 horas da manhã, o que seria estranho, muito estranho! Às 3 horas da manhã nunca houve reuniões! Ele responde-me um pouco bruscamente – mas que falta de paciência! “Nem deveriam ter posto às 3.A.M. nem às 3 P.M. porque em português teriam de escrever às 15 h oo”. Ele é também defensor da língua portuguesa, não sou só eu! É verdade, a reunião era às 15 horas.

E já passou das 15 horas? - pergunto baixinho! Sim passa um bocadinho das 15 horas. Respondeu-me secamente, sem eu perceber porquê. Ah! A falta de paciência que os homens têm, ou que não têm? 

Volto a fechar o Link regressando ao email. Ingenuamente e baixinho, pergunto ao meu marido:  “hoje é dia 18 de fevereiro, não é”? Diz aqui que é no dia 18 de fevereiro. Ouço a sua voz numa resposta que não me agradou – porque haveria de falar tão alto e mal humorado? – “hoje é dia 19 de fevereiro!...

Os LINKS são tão fieis que as pessoas do outro lado, embora sejam humanas como eu - cumprem as horas e os dias. A palestra foi ontem, dia 18!!! E fico a pensar: O Gago Coutinho e o Sacadura Cabral viajaram sem mim em 1922 (eu ainda cá não estava e se estivesse teria medo de viajar num hidroavião que se chamava “Lusitania” que iniciou a viagem no dia 30 de Março e depois de várias peripécias terminou-a no hidroavião “Santa Cruz” só no dia 17 de junho. Só restava que me recordassem o seu feito – mas nem à palestra do centenário – 100 anos depois – nem assim cheguei a tempo!

Mas batam palmas comigo: Embora a viagem tenha consumido setenta e nove dias, o tempo de voo foi de apenas sessenta e duas horas e vinte e seis minutos, tendo percorrido um total de 8.383 quilómetros. O tempo restante foi o que tiveram de ficar em terra, à espera de hidroavião de substituição. Portugal enviou não um, nem dois, mas três, e só o terceiro o “Santa Cruz” conseguiu finalizar a viagem programada, na Baía de Guanabara-Brasil. Continuem a bater palmas, porque Gago Coutinho

 inventou para esta viagem um meio de navegação astronómica: o sextante de horizonte. Batamos palmas novamente porque esta viagem serviu de inspiração para os voos posteriores, de portugueses e estrangeiros. FOMOS OS PRIMEIROS! FOMOS OS PRIMEIROS!

      

           

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