POETA AUGUSTO GIL – (1873-1929)
Saíra Santo António do convento,
A dar o seu passeio costumado E a decorar, num tom rezado e lento, Um cândido sermão sobre o pecado. Andando, andando sempre, repetia O divino sermão piedoso e brando, E nem notou que a tarde esmorecia, Que vinha a noite plácida baixando… E andando, andando, viu-se num outeiro, Com árvores e casas espalhadas, Que ficava distante do mosteiro Uma légua das fartas, das puxadas. Surpreendido por se ver tão longe, E fraco por haver andado tanto, Sentou-se a descansar o bom do monge, Com a resignação de quem é santo… O luar, um luar claríssimo nasceu. Num raio dessa linda claridade, O Menino Jesus baixou do céu, Pôs-se a brincar com o capuz do frade. Perto, uma bica de água murmurante Juntava o seu murmúrio ao dos pinhais. Os rouxinóis ouviam-se distante. O luar, mais alto, iluminava mais. De braço dado, para a fonte, vinha Um par de noivos todo satisfeito. Ela trazia ao ombro a cantarinha, Ele trazia… o coração no peito. Sem suspeitarem de que alguém os visse, Trocaram beijos ao luar tranquilo. O Menino, porém, ouviu e disse: – Ó Frei António, o que foi aquilo?… O Santo, erguendo a manga de burel Para tapar o noivo e a namorada, Mentiu numa voz doce como o mel: – Não sei o que fosse. Eu cá não ouvi nada… Uma risada límpida, sonora, Vibrou em notas de oiro no caminho. – Ouviste, Frei António? Ouviste agora? – Ouvi, Senhor, ouvi. É um passarinho. – Tu não estás com a cabeça boa… Um passarinho a cantar assim!… E o pobre Santo António de Lisboa Calou-se embaraçado, mas por fim, Corado como as vestes dos cardeais, Achou esta saída redentora: – Se o Menino Jesus pergunta mais, …Queixo-me à sua mãe, Nossa Senhora! Voltando-lhe a carinha contra a luz E contra aquele amor sem casamento, Pegou-lhe ao colo e acrescentou: – Jesus, são horas… E abalaram pró convento. |
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