Naquele tempo…
A VIAGEM A
SINTRA
No
início do já distante ano de 1900, o fim de semana (só o domingo, porque ao
sábado ainda se trabalhava) dos lisboetas que pretendiam espairecer fora de
portas, tinha como destino as quintas dos arredores ( Benfica, Caneças, Loures,
etc.), as praias de Algés, Dafundo e Cruz Quebrada ou um passeio a Sintra, a
idílica vila romântica.
A
digressão era preparada nas vésperas com todo o cuidado e muito entusiasmo. No
sábado, a “dona da casa” tratava de confecionar a petisqueira para o ansiado
“pic-nic” pois as refeições em restaurantes eram inacessíveis à maioria e tal só
acontecia quando o rei fazia anos!...
No
domingo de manhã os membros da família esmeravam-se nas suas vestimentas domingueiras,
reuniam os cestos dos comes, o garrafão de vinho e ala que se faz tarde!
Dirigiam-se
os “turistas” à Estação Central do Rossio, compravam o bilhete e postavam-se
nos duros bancos de madeira. A máquina a vapor resfolgava e bufava por tudo o
que era buraco! Com uns tantos solavancos, lá partia o engenho rumo ao
apetecido Éden de Lord Byron.
Nos antigos comboios as carruagens tinham várias portas e, a justificar a “luta de classes”, haviam três categorias de lugares: a 1ª classe para os abastados; a 2ª. para os remediados e a 3ª. para os restantes.
Na
primeira classe o preço do bilhete era de 530 réis. Em segunda, custava 360
réis e em terceira ficava por 230 réis.
Também
existiam duas espécies de comboios: os rápidos e os regulares. O percurso no
“rápido” era feito (pasme-se!) em pouco mais de meia hora. Os “regulares”, que
paravam em todas as estações, demoravam o dobro do tempo.
A
viagem, porém, não tinha nada de fastidioso pois a paisagem era encantadora. Os
olhos dos passageiros deslumbravam-se com as verdejantes vistas das quintas, das
matas, das hortas e das aldeias que salpicavam o panorama.
Logo
que o trem galgava o túnel, a fumarada lambia os rostos dos passageiros e tornava
as faces e as camisas dos passageiros de plúmbea cor.
Apesar
de tudo, era uma festa naquelas carruagens, animadas por pessoas alegres. Tudo
servia para propiciar boa disposição, desde a brejeira anedota ao chiste mais
apimentado. Era o escape duma semana dura de trabalho, com excessivas horas de
esforço e de entrega.
E
o comboio prosseguia, “pouca terra, pouca terra”, a sua marcha, abrindo-se à nossa
vista extensos campos, desde os terrenos por cultivar, até ao campo mais viçoso;
desde o pomar bem cuidado até ao jardim mais florido.
Do
Cacém para diante já se avistava o Castelo dos Mouros e o Palácio da Pena, monumentos
maravilhosos.
E,
daí a pouco, se chegava à bela estação de Sintra, revestida com preciosa
azulejaria de inspiração mourisca. Saíam então os veraneantes no meio de uma
algazarra feliz. Esperava-os uma bem puxada caminhada rumo ao local da merenda,
caso esta se desenrolasse para além das faldas da serra.
A
cada um cabia depois uma missão: estender as mantas, as toalhas, os pratos,
talheres, tachos, copos etc.
Que
grande festa era aquela para os alegres excursionistas. Os comentários jocosos
prosseguiam, entremeando o pastel de bacalhau com o copázio de tinto.
Uff!
Comi que nem um abade, confessa aquele que se lança sobre o cobertor para
curtir uma repousante sesta ou se preparar para uma disputada suecada. Mais
tarde, ainda se lancham os excedentes do almoço.
O
regresso custa mais, “ Vêem da festa!”. E, de novo, sobem para o comboio que os
vai repor na capital O ambiente é agora mais calmo. O cansaço fez alguma mossa
naquela gente.
Mas
a satisfação era geral e já se combinava nova festarola lá mais para diante Que
lindo dia lhes tinha sido proporcionado em Sintra. A bela e sempre misteriosa Sintra.
Há
um provérbio espanhol que diz: “Chegar a Sintra é ver o Mundo inteiro”.
Carlos Brandão de Almeida
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