domingo, 9 de outubro de 2011

ERA UNA VEZ TRES AVIONES

               
                                                                    


As pessoas com quem vamos cruzando pela vida fora, especialmente as que cruzaram o nosso caminho quando eramos muito jovens, deixam sempre alguma marca, mais ou menos agradável. Costumo esquecer - sem dar por isso - as menos boas, mas o meu coração recorda com saudade as agradáveis. Esta que vou narrar, faz parte de uma boa recordação.

          Foi numa cidade onde vivi 25 anos, teria 15/16 anos. As casas estavam com rendas muito caras para quem, como meu pai, tinha um ordenado de funcionário publico e tinha 3 filhos a estudar. Minha mãe não estava nem nunca esteve empregada. A nossa casa tinha bons quartos e estava bem situada, decidiram alugar um quarto, arranjar um hóspede,  só dormida e tratamento de roupas, não me recordo se com pequeno almoço. Talvez.

         Quem veio para o quarto foi: um senhor alto, muito mais alto do que os portugueses, forte, loiro, de olhos claros, muito educado, que fumava cachimbo que empregnava de cheiro toda a casa: HANS M.G.F. (para a história não interessa o nome completo), dinamarquês, na sua profissão de engenheiro, trabalhava, creio que a ampliar o cais ou a reforçar a muralha, na empresa dinamarquesa C.& N. (também aqui o nome completo não faz falta). 

         Contava histórias da sua vida: Tinha feito a ponte de Vila Franca de Xira em Portugal, tinha 3 filhas que estudaram farmácia na Dinamarca...

Anos depois, já em outra casa que alugámos, entre o Colégio das Freiras e o cinema S.Jorge,  o referido hóspede propôs sociedade a meu pai, sem que ele (meu pai) tivesse de entrar com capital porque o não tinha, para fundarem uma empresa para o desassoreamento do porto. Meus pais passaram horas a ponderar prós e contras. Por fim tomaram a decisão de não o fazer, com receio de que não resultasse e meu pai teria perdido o seu emprego como funcionário do estado. Era um pequeno ordenado, mas era certo. Uma ajuda para o sustento familiar.

          Na hora da partida do nosso hóspede (entretanto já tinhamos mais dois hóspedes em outro quarto), o nosso amigo Hans M.G.F. foi de regresso à Dinamarca para se reformar, deixou-nos muitas saudades.  Enquanto meus pais foram vivos falávamos nele e, esta frase, que não me recordo em que conversa foi dita, mas suponho que referida à inauguração da ponte de Vila Franca de Xira (aqui em Portugal) ficou para sempre o recordarmos: "era una vez três aviones" (a sua maneira de falar português).

          Continuamos a recordá-lo - até porque meu marido, que nessa altura nem sequer meu namorado era - veio a conhecer o Sr. Hans M.G.F. numa visita à casa de meus pais.
         Hoje, as filhas, se ainda vivas, andarão pelos 80 anos e teriam todas tido uma farmácia... as netas recordarão o avô de charuto... e terão os seus olhos azuis. Talvez nunca saibam que tanto em África como em Portugal, o nome de seu avô foi recordado com muita saudade, e que há uma frase que o imortalizou na nossa memória: "era una vez três aviones".  

Celeste Cortez












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