UM POR TODOS, TODOS POR UM
Saúl, o velho Saúl, era o proprietário duma oficina de automóveis. Os seus amigos alcunharam-no, carinhosamente, de O Filósofo pois o mecânico destacava-se, na conversa com os companheiros, com sentenças assertivas, expondo os seus conhecimentos da vida e dos livros de maneira convincente.
Saúl tinha um neto de onze anos – o João – que era, como vulgarmente se diz, a luz dos seus olhos.
Um dia, o João visitou o avô na oficina e, contrariamente à sua proverbial alegria e jovialidade, vinha sorumbático
O avô, estranhando aquele aspecto do rapaz, perguntou-lhe o que se passava com ele.
O João, inseguro, fugiu à resposta para não intranquilizar o avô. Este, todavia, insistiu em saber o que é que apoquentava o seu neto.
Até que, dada a persistência do avô, o João acabou por esclarecer:
- Ó avô, na verdade, eu estou muito revoltado com o treinador do clube por não me ter escolhido para jogar contra os matulões das Águias de Bernes. O avô sabe que eu sou bom jogador por isso não me conformo por ele me ter posto em “apanha bolas”. Acho injusto. Estou mesmo magoado.
- Sem dúvida que és um bom praticante de futebol. Mas o teu treinador também é um técnico competente e tenho-o na conta de ser um homem justo. Provavelmente, ele considera que para jogar contra os “matulões” há outros jogadores mais adequados. Ele gosta muito de ti, eu sei. Vais ver que para o próximo jogo ele vai-te seleccionar. Também é correcto que sejam dadas oportunidades aos demais, não achas?
Sabes uma coisa João: todas as tarefas são importantes dentro duma equipa. Se não houver rapazes a apanhar as bolas saídas do campo o jogo demora mais tempo, torna-se enfadonho e os jogadores cansam-se mais.
E é também assim na vida: todo o trabalho - mais ou menos elaborado é meritório e todo o trabalhador deve ser respeitado.
Vou-te dar um exemplo, se tiveres paciência para me ouvir.
- Não estou aqui para outra coisa, avô. E fico muito agradecido por me ensinares.
- Então, olha para o motor deste carro. Se alguma das peças que o compõem falhar, por mais simples que seja, o motor para e o carro deixa de andar. Entendes João? Lembra-te que se um órgão do corpo humano fracassar a pessoa fica doente. Todos as parcelas do corpo são vitais.
O jovem fitou demoradamente para o olhar calmo e amoroso do avô, sorriu e agarrou-se à sua cintura.
Esta trivial historieta vem-nos lembrar que, bastas vezes, desvalorizamos o trabalho indiferenciado, tão útil e necessário à comunidade. Preferimos eleger, para o palco da notoriedade, o labor especializado.
A realidade tem-nos demonstrado, porém que, para que a obra se realize, é fundamental a participação de todos os obreiros, sejam mais, ou menos qualificados.
Alguém sentenciou lucidamente que não nos devemos preocupar com o que está em cima da mesa, mas sim com o que está à volta dela. Tampouco avaliar uma prenda pelo que ela vale, mas antes pelo que ela representa.
Não esqueçamos o esforço que alguém despendeu para termos uns sapatos ou um boné, provavelmente poderá ser equivalente ao que outra pessoa fez para possuirmos um telemóvel ou um computador.
Uma vez recebi uma lição que nunca mais esqueci: dentro de um supermercado dirigi-me a um empregado que arrumava uma prateleira e perguntei-lhe onde é que poderia encontrar o artigo que procurava. A resposta foi respeitosa e exemplar: “Boa tarde, senhor!”. Ali estava uma pessoa e não um “robot”.
Carlos Brandão de Almeida
22.01.2022
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