quarta-feira, 24 de abril de 2019

CONTO - O BOLO DA MÃE; por Carlos Brandão de Almeida

Por: Carlos Brandão de Almeida


Numa tarde de domingo, fui a um lar de idosos visitar uma velha amiga por quem nutria uma grande estima e admiração.
Ela, feliz por me ter junto de si, fez questão de me mostrar as bem cuidadas instalações do lar, onde não faltava um aprazível e florido jardim.
Quando, terminada a visita, ia a sair, reparei que, num recanto do parque, estava um residente sentado numa cadeira de rodas. Era a imagem da melancolia aquele olhar perdido no horizonte.
Ao passar, o ancião encarou-me com um olhar triste, embora com uma doçura a clamar uma palavra afectiva. Tinha uns lindos mas cansados olhos verdes e umas trémulas mãos apoiadas na cadeira. Não resisti a dirigir-lhe uma saudação. Reconhecido, franqueou-me um gentil sorriso e abriu-me assim o coração:
- Meu filho, depois de noventa e dois anos de uma existência activa, estou a chegar ao fim da jornada. Nada mais espero da vida a não ser uma palavra amiga de quem por aqui passa.
- Não pense assim, caro senhor, a vida ainda lhe vai trazer gostosas alegrias, verá…

- Talvez, jovem amigo, não será fácil. Mas, já que falou numa gostosa alegria, eu logo pensei num desejo que desde há muito anseio ver concretizado.
- Ah! Está vendo: afinal sempre ambiciona alguma coisa!
- Pois almejo alguma coisa, querido amigo, só que é um desejo que não me parece realizável.
-Essa agora, por que será irrealizável?

-Eu lhe digo: o que eu mais queria era um bolo igual àqueles que a minha mãe fazia. Não desses que se confecionam aqui no lar, nem daqueles que as visitas trazem, muito recheados e enfeitados. Era daqueles que se batem à mão e sem recheio nenhum. Olhe, amigo: daqueles que eu comia quentinhos, olhando os buraquinhos que se formavam na massa e sentindo o gosto dos ovos frescos e o doce açúcar mascavado. Era a hora que eu mais adorava em casa: bolinho cheiroso e caneca de café preto!
Inevitáveis lágrimas de amargas saudades caíram dos cansados olhos do nonagenário.
Despedi-me, angustiado, com um até breve.
No caminho para casa não me saía da cabeça o desejo do velhote. Como eu gostaria de o satisfazer. Mas eu não sei cozinhar e ele também não gosta dos bolos das pastelarias.
Quando cheguei a casa, contei, com notório entusiasmo, o episódio à minha mãe que me pareceu ter ficado sensibilizada.
- Filho – disse-me ela – afinal que bolo é que o teu amigo deseja?
Rejubilei ao ver que a minha mãe se prontificava a confeccionar o bolo para o solitário idoso.
- Olha mãe, não te sei dizer que género de iguaria é. Só te posso explicar que esse bolo tem que ter o sabor de uma vida inteira!
Ignoro como. Apenas sei que a minha mãe conhecia esse sabor. E fez um bolo lindo, bem cheirosinho!
Embrulhei-o muito bem para não esfriar e manter o delicioso perfume.
Ao chegar ao lar encontrei o meu novo amigo no mesmo lugar, ausente com o olhar perdido no horizonte.
Surpreendido, aceitou gostosamente reconhecido, aquela viagem para as suas doces lembranças. E aqueles lindos olhos verdes rejuvenesceram e voltaram á perdida infância, amenizando a solidão daquele ancião desencantado.
Para partilhar o deleitamento, providenciei umas canecas de café, convidei a minha amiga e, os três, celebrámos o embarque do nosso amigo para um maravilhoso passado.
Quando ele me confessou que o bolo estava delicioso eu limitei-me a responder:
- Pois está, querido amigo, este bolo também foi feito por uma mãe!

Carlos Brandão de Almeida
Algueirão, 2019-04-24


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