História ficcionada, como lhe chama o autor. Ele leva-nos a acompanhá-lo ensinando-nos como proceder, o que mais nos parece pura realidade.
Desejo que gostem tanto deste artigo como de todos os outros escritos pelo mesmo autor. Para ele, o meu obrigada, Carlos.
O Requelindo, oleiro de profissão, tinha herdado de seus pais uma casa. Era uma vivenda airosa situada perto das arribas do litoral sintrense. A paisagem que se desfrutava do morro, vendo e ouvindo o clamor do irrequieto oceano era um deslumbramento. Tinha um florido jardim à frente e, na rectaguarda, um pequeno quintal no qual fora construído um exíguo anexo. O Requelindo ali guardava todas as peças de olaria que, pacientemente, ia moldando mas que não conseguia vender.
figuras de barro fora ruinoso. A má fortuna batera-lhe à porta e o
esforçado oleiro viu-se forçado a recorrer a um prestamista – o
Ambrósio - para solver as suas dívidas.
O especulador era um homem sem escrúpulos que só via o lucro à sua frente. Para fazer a transacção exigiu, como garantia, a hipoteca de metade do valor da habitação.
Infelizmente, a sorte continuava arredia do pobre oleiro que não via jeito de satisfazer a divida.
O ganancioso Ambrósio já esfregava as mãos de contente por antever a possibilidade de se apropriar da bela propriedade. Por isso, recusou ao Requelindo qualquer adiamento para o pagamento do empréstimo.
Atingido o fim do prazo o Ambrósio, detentor já de parte da casa,
propôs ao Requelindo adquirir o restante do imóvel.
Amargurado, o pobre do oleiro viu-se obrigado a aceitar a venda da moradia por um preço irrisório. Mas, à cautela, antes de firmar o acordo final, resolveu impor uma condição:
- Qual é a condição que propões? Mais dinheiro não te dou. Quero-te é longe da casa, ouviste?
- Não lhe peço mais dinheiro. Vendo-lhe a casa mas desejo prosseguir como dono do pequeno anexo do quintal, pois preciso continuar a guardar ali os meus bonecos de barro e outras coisas.
- Olha, Requelindo, isso não me agrada nada. Mas aceito desde que não venhas com muita frequência ao anexo. Que dizes?
- Não, não me servirei dele com muita frequência.
O Ambrósio, querendo acelerar o processo e não vendo grande
inconveniente na cedência da pequena barraca, concordou com a proposta.Assinaram o contrato de venda perante o notário no qual figurava a cláusula restritiva da propriedade.
Satisfeitíssimo, o Ambrósio instalou-se na sua nova casa com toda a família, usufruindo, deliciado, da vista deslumbrante e da fresca
brisa marítima.
Um belo dia, apresentou-se o Requelindo e pediu para se dirigir ao anexo.
- Com certeza, amigo, entra! – acedeu prazenteiramente o proprietário.
O Requelindo acercou-se do pequeno anexo e nele depositou um embrulho.Umas semanas mais tarde, regressou com uns sacos de plástico e uma bilha.Na vez seguinte, chegou com uma porção de peles de coelho, ainda por curtir.- Estas peles são para levar ao curtidor – disse ele ao Ambrósio que já não estava nada satisfeito.
Passado algum tempo, o Requelindo volta à vivenda transportando um monte de peles mal cheirosas.
- Ó Requelindo, também vais pôr isso no anexo? Olha que as outras peles ainda aí estão e deitam um cheiro pestilento…
-Não tenho outro sítio onde as guardar até que vá ao curtidor –
responde o oleiro.
- Mas o cheirete vai aumentar e as moscas já me invadem a casa. Começa a tornar-se intolerável a situação. Tens que retirar todas as peles rapidamente senão chamarei a polícia – ameaçou o avarento.
- Faça como entender. Limito-me a utilizar a minha propriedade –
rematou o Requelindo.
A polícia chamada, deu razão ao oleiro.
Daí a algum tempo o oleiro volta com mais peles verdes, horrivelmente fedorentas.
O cheiro era de tal forma fétido que o infeliz do Ambrósio, impedido de actuar legalmente contra o oleiro, não teve outro remédio senão abandonar a casa.
E, para não perder tudo, vendeu a casa ao Requelindo por um preço ainda mais baixo do que comprara.
Desta historieta ficcionada podemos extrair três conclusões:
A primeira reporta-se ao comprador da casa. O Ambrósio revelou-se um homem insensível ao apelo do oleiro para lhe prolongar o prazo do pagamento da dívida. Foi ganancioso e oportunista, receando perder a oportunidade de, por pouco dinheiro, ficar com a apetecida propriedade.
A estratégia concebida pelo oleiro obrigou-o depois a abandonar a
casa. E, assim, se repôs a justiça moral deste caso.
A segunda conclusão aponta para a esperteza do Requelindo que,
vendo-se explorado pelo agiota, arquitectou um sábio estratagema,
juridicamente inatacável, que lhe devolveu a propriedade e infligiu uma justa lição ao especulador.
A última conclusão leva-nos a meditar sobre a insensatez do usurário ao aceitar partilhar a casa. Foi alarve ao negligenciar a segurança do negócio que, por essa razão, se veio a revelar ruinoso. Esta atitude
alerta-nos para as facilidades que por vezes, inadvertidamente,
facultamos aos outros e que nos veem a sair ruinosas.
Por exemplo, ainda recentemente, um jovem comerciante de Ferragudo (Algarve) aceitou ser fiador dum equipamento de milhares de euros adquirido por um cidadão “amigo do peito”. Na altura de pagar o encargo o “irmão” trapaceiro zarpou, (que é como quem diz, foi para outro país), deixando o fiador numa melindrosa situação económica. Muitos são os casos idênticos a
este que sucedem às pessoas de boa vontade. Não se rejeita,
obviamente, a ajuda solidária a alguém necessitado de auxílio.
Mas, é prudente averiguar, com rigor, a situação a quem se credita
para não sermos vítimas de desagradáveis surpresas.
Aceitar a partilha de uma propriedade revelou-se ruinoso para o
confiante comprador.
É bom aprender a dizer não! Quando se sabe negar, dizer sim tem um gosto mais saboroso.
Carlos Brandão de Almeida
2019.03.11
Esta bonita a historia :)
ResponderEliminarObrigada pelo comentário, Sami.
ResponderEliminarA história foi escrita pelo meu amigo de longa data, ex-colega da Actis - Universidade Sénior de Sintra. Ele escreve pequenos contos, onde se encontra sempre um lado moral. Abraço