sexta-feira, 30 de julho de 2010

Quem parte deixa saúdades


Reeditado a 13-02-2015, no dia em que farias 70 anos de idade. 

QUEM PARTE DEIXA SAÚDADES:

Fernando de Almeida Campos - Carregal do Sal - 13-02-1945 - Coimbra 02-03-2004. Viveu na Beira, Moçambique de 23-06-1950 a Dezembro de 1976. Trabalhou nos escritórios dos Serviços de Electricidade e como despachante na Cory,Mann George. Fez a tropa em Lourenço Marques e em Nampula.
Foi sócio do Salinas, em Carregal do Sal. Iniciou com sua sobrinha Sami a empresa Saliartes Molduras e Decorações, onde trabalhou até à sua ida para os hospitais. Casou na Aguieira, Canas de Senhorim a 27-10-1985.

Nasceu um bebé especial:
1945 – Já passa da meia noite. Começou o dia 13 de Fevereiro. É dia de Carnaval. É o dia das comadres, festa que é realizada na terça-feira de Carnaval, cuja data se perde no tempo. Há alegria em Alvarelhos - Oliveira do Conde, concelho de Carregal do Sal

Há alegria sem igual, naquela terra, no dia de Carnaval, nasceu o Fernandinho.
1 - Fernando,Celeste,Nelson, na praia da Beira
2 - Fernando, Nelson, Celeste, em Alvarelhos (?)
3 - Fernando, Mamã, Nelson, no dia da chegada à Beira.
Bebé lindo, rosadinho. Sua irmã pensou que era um boneco deitado ao lado da sua mamã. E o seu irmão Nelson, de 2 anitos, o que teria pensado? Olha um "bneco". "Vem, vê o bneco, é tão indo, indo, indo, tem cabelos e tem mãos queninas, muto queninas"…
Da direita para a esquerda: Nelson, Celeste e Fernando

      Os anos foram passando, nem sempre bons, nem sempre alegres. 
     Não era o que merecias Fernando, alma boa, coração puro, que deixavas dormir no teu carro um pobre desgraçado, fingindo esqueceres a porta aberta. E quantos actos de amor ao próximo,  feitos com toda a tua simplicidade, sem quereres que fossem notados. O amor saía espontâneo, estava dentro de ti, desde sempre. Por onde passaste, não fizeste fortuna, mas espalhaste amor com generosidade, o teu sorriso tímido conseguia atrair quem precisava de calor humano, a tua palavra simples consolava quem sofria.
     Sofreste neste mundo ingrato. Mesmo sem quereres, os teus olhos marejaram-se de lágrimas, muitas vezes. Qual Nosso Senhor dos Passos com a Cruz às costas, também levaste a Cruz ao Calvário. Só que esqueceste que Aquele Cristo que transportava uma cruz, sem a merecer, ia sempre de pé atrás. Tu que eras inteligente, não aprendeste a lição Fernando.
Como era o teu jeito, sofreste com resignação a longa e difícil etapa dum maldito cancro, que se disseminou rapidamente por todo o corpo. Não, não pode ter sido assim tão rápidamente, mas era tão grande a tua capacidade de aceitar tudo, que foste sofrendo as dores, as metamorfoses do corpo. Foi a ultima cruz antes de partires, que aceitaste com resignação, sorrindo quando te apetecia gritar. E que pesada deve ter sido essa cruz.
 2011 - Dia 13 de Fevereiro. Hoje farias 66 anos. Nem quero acreditar que, apesar da saudade, depressa se passaram quase sete anos que partiste… Foi numa manhã cedinho, 02 de Março de 2004. Estavas desde o dia 31 de Janeiro nos cuidados paliativos do IPO de Coimbra.
     Foi errado partires tão cedo, tão novo ainda, fizeste os 59 anos na secção dos cuidados paliativos. Poderias ter vivido mais. Foi também errado teres partido no dia do aniversário da tua sobrinha querida (Sami). Sobrinha querida, disse eu. Qual das sobrinhas não te era querida? Mesmo as sobrinhas que não eram do teu sangue, familiares da tua mulher, tu amavas com respeito e carinho. Nos cuidados paliativos enchia-se o teu quarto aos fins de semana, com pessoas vindas das terras por onde passaste em vida, gente de todas as camadas sociais, de todos os níveis. Era assim Fernando que gostavas: de juntar pessoas, porque a todas amavas, da mesma maneira, com o mesmo grau de amizade, sem te preocupares se eram doutores ou analfabetos, se eram gente importante ou gente humilde. 
Não, não esteve certo que partisses tão novo, não.
Só esteve certo os beijinhos que me deste, debruçando-te com dificuldade na cama que ocupavas havia mais de um mês, quando, me despedi para voltar para casa, para trocar de roupa, prometendo regressar no dia seguinte.
Tu sabias que seriam os últimos beijos que um irmão amigo dava à sua irmã querida. Eu também adivinhei que seriam os últimos. Sem palavras compreendemo-nos.
Apesar do sofrimento que nos roía por dentro, cada um de nós sorriu. Eu prometi voltar no comboio pendular na manhã seguinte. Não respondeste. Palavras para quê? Tu sabias. Voltei a prometer que voltaria no dia seguinte, no comboio. Mais uma vez ficaria perto de ti, passaria a tarde contigo, e, à noite, numa cama ao lado da tua, fingiria que dormia, mas ficaria alerta para te ouvir respirar e, ouviria, mais vezes, que chamavas com uma voz doce, maviosa: Mãe...Mãe. E quando olhava com a claridade da lampada de presença, via-te olhar para longe, de certeza para o Céu a repetires documente: Mãe, Mãe. E ficavas numa atitude contemplativa.
Eu sei, não precisei perguntar-te - não quis interromper-te - que falavas com a Mãe do Céu, porque a mãe que tivémos na terra, chamavamos de "mamã".
        Fernando, não podias esperar até que eu chegasse? Tens razão: não se diz adeus aos que amamos… estaremos sempre com eles.

Hoje telefonei-te a dar os parabéns logo que passou um segundo da meia noite. Dia 13 de Fevereiro, o dia dos teus anos. E tu disseste-me num sorriso: ainda bem que não fizeste um bolo, aqui tenho uma festa com a família, amigos e conhecidos, com toda a gente, porque eu gosto de toda a gente. Sempre gostei. Os Anjos vestiram as suas melhores roupas para nos apresentarem esta festa. O bolo está muito bom.
- Claro Fernando, o bolo que no Céu fizeram para ti, tinha de ser muito bom, tu mereces tudo de bom. Sempre mereceste. Estás todo bonito para a festa Fernando. Mas são horas de desligar. Ligarei de vez em quando, falarei contigo, como de costume, mentalmente, em pensamento. Adeus Fernando, aquele abraço cheio de carinho da tua irmã sempre amiga. Celeste 

Na tropa, em Moçambique - Fernando, de pé, ao lado do militar fardado de cor clara. O Fernando sorridente.

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