O conselho
chinês
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aquele dia, notei que o meu colega Ferreira não estava tão comunicativo como era habitual. Quando contactado, retorquia com curtos monossílabos e o seu semblante denotava visível preocupação.
Na hora do almoço – que, nesse tempo, era de duas longas horas – depois de ingerida a refeição, juntavam-se alguns colegas no Café Monumental, no Saldanha, para bebericar a bica, cavaquear e jogar bilhar. Nesse dia, as caramboladas do Ferreira que, por norma, eram certeiras, falhavam com frequência. E perdeu o jogo, o que era raro.
Quando nos sentámos para tomar o café, confessei-lhe que o estava a achar estranho e perguntei-lhe o que é que se estava passando com ele. Relutantemente, confirmou que, na realidade, andava apreensivo com o surgimento de um problema financeiro.
- Mas estás apertado com falta de dinheiro?- indaguei.
- Não, nada disso. Sabes bem que eu administro a minha vida com extremo equilíbrio. O que sucedeu diz respeito a uma aplicação financeira que não está a comportar-se muito bem. E eu tive imenso cuidado na adesão a esse produto. Até foi a conselho do meu gestor de conta que nele investi uma substancial quantia. Essa verba representa a maioria do rendimento que ao longo dos anos tinha aforrado. A proposta era tentadora e o risco não era grande. Infelizmente foi. Tudo por culpa da queda das bolsas em todo o mundo gerada pela falência dum malvado banco americano. Ora, se a situação não se recompuser, estou em risco de perder essas minhas economias. Não achas que é razão suficiente para estar angustiado?
Perante este tão desalentador testemunho, como é que eu poderia confortar o meu colega? Lá lhe fui dizendo que era normal essas provisões terem altos e baixos e, normalmente, os resultados só se apuram ao fim de dois ou mais anos. Até recitei o vetusto provérbio: Depois da tempestade vem a bonança. Por fim disse-lhe, tentando animá-lo:
- Olha, Ferreira, tens que ter calma porque a situação há de vir a compor-se e o teu desânimo pode afetar a tua família. Tens que ter esperança, homem! Vou contar-te um velho conselho chinês para com ele refletires. É assim:
- Meu pai, aconteceu uma grande desgraça: o nosso cavalo fugiu!
- Porque lhe chamas
desgraça, meu filho - tranquilizou o pai - Veremos o que nos traz o tempo.
Passados alguns dias, o cavalo regressou à herdade acompanhado de uma linda égua selvagem.
-Meu pai, que sorte
tivemos! - Regozijou-se o rapaz - O
nosso cavalo voltou.
- Porque lhe chamas
sorte, meu filho - respondeu o pai - Veremos
o que nos traz o tempo.
Uns dias depois, o rapaz quis montar a égua mas esta, não acostumada à sela, encabritou-se e deitou-o ao chão. Na queda, o moço partiu uma perna.
- Meu pai, que grande
desgraça: parti uma perna – lamentou-se o rapaz.
- Porque lhe chamas desgraça, meu filho? Veremos o que nos traz o tempo - volveu o pai.
O rapaz compreendeu então que nunca se deve dar, nem a desgraça, nem a fortuna, como certezas absolutas. Para se saber se algo é bom ou mau é necessário dar tempo ao tempo.
Passado um ano e alguns meses as bolsas voltaram a animar-se e o Ferreira viu o seu capital reposto e até substancialmente reforçado.
Carlos
Brandão de Almeida
Gostei deste conto e da moral da historia.
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