UMA HISTÓRIA QUE SE
PASSOU PELA PÁSCOA, por Celeste Cortez
O Inácio, os padrinhos e as amêndoas da Páscoa:
Numa aldeia pertencente a Carregal do Sal, já lá vão muitos e muitos anos,
andará à volta dos setenta e tal anos, esta história aconteceu. Estará narrada
com jeitinho de escritora, para lhe dar maior autenticidade. Foi o próprio que
ma contou há alguns anos:
O Inácio era afilhado de meu tio Inácio, por isso o seu nome, que era irmão
de minha mãe. A madrinha era minha mãe, Georgina de nome, na altura desta
história já casada, evidentemente com meu pai Artur.
O Inácio, hoje um homem de certa idade, que vive na sede do concelho da sua
e minha terra, quando era pequeno não era muito abastado. Os pais tinham vindo
trabalhar para Lisboa e deixaram-no na terra com uma avó para que frequentasse
a escola e os pais pudessem mais facilmente granjear a sua vida na grande
cidade.
Meus pais, uns tempitos antes da Páscoa, mandaram-no chamar. Minha mãe ou
meu pai, um deles, pegou numa fita métrica, foi tirando medidas ao seu corpo de
menino que frequentava a primeira ou a segunda classe escolar e tirando
apontamentos.
Notava-se na sua face de menino já por si corado pelo sol que o ia
queimando quando ele andava a ajudar a avó na vindima, ou em outras tarefas na
sua propriedade, que o Inácio estava feliz, parecia não caber em si de contente.
O Inácio, meio envergonhado, mas sem perder o seu ar gaiato, lá ergueu as
mãos pedindo para ser abençoado pelos padrinhos. E logo que minha mãe a sorrir
lhe disse: “vai vai, menino”, o Inácio quase que voou pelas escadas. Correu até
ao terreiro onde encontrou outros rapazes da sua idade e afogueado disse-lhes
com a maior alegria:
- Sim, um cinto. O meu
padrinho tirou-me as medidas à cintura.
- Daqueles cintos que
os homens usam, Inácio?
- Sim um cinto, um
cinto de cabedal. O meu padrinho usa um cinto de cabedal.
- Mas o teu padrinho é
um senhor, trabalha nas Finanças. Já não é um rapaz como tu. Para que queres o cinto de cabedal Inácio?
Perguntou um que provavelmente segurava as calças sem cinto, mais justas –
seriam do irmão a quem deixaram de servir? Ou usaria as calças atadas com um
cinto de tecido da cor das calças? Ou até só atadas com um cordel?
- Ora! O meu
padrinho também usa cinto. Cinto de cabedal. É porque é bonito usar cinto.
Suponho que naquela época poucos
meninos da escola teriam um cinto de cabedal, pelo que a alegria se
justificava. Todos ficaram admirados.
- Tiveste sorte com os
padrinhos que tu escolheste, disse o Zé, filho do Joaquim da venda.
- Mas eu não escolhi os
padrinhos, foram… foram os meus pais que escolheram, ou os meus avós, sei
lá!...
- Pois então quem te escolheu
os padrinhos, escolheu muito bem, acrescentou
o Manel.
- Eu também gosto deles,
respondeu com voz alegre o Inácio.
No domingo de Páscoa o Inácio
galgou os degraus dois a doisda casa da Dona Amabília, mãe dos seus padrinhos,
com a pressa e a alegria estampada no rosto, por ir receber o cinto de cabedal.
Depois de ter cumprimentado e pedido a bênção aos padrinhos, recebeu um embrulho com umas calças de bom tecido.
Quase a gaguejar apesar de não ser gago, mas
como não era o que esperava e não queria passar por mentiroso aos olhos dos
seus amigos da escola, atreveu-se a dizer, em voz baixinha que a madrinha mal
ouviu:
- Pensei que ia receber um
cinto de cabedal. E um pouco esmorecido: Afinal são umas calças.
- E não ficas satisfeito por
receberes umas calças. Tens muitas?
- Não senhora madrinha. Mas eu
tinha dito “ós” outros rapazes, que ia receber um cinto.
A madrinha, a achar graça à
conversa do miúdo, quis prolongá-la, enquanto o padrinho ao lado, não conseguia
conter o riso. Retorquiu-lhe:
- Inácio, pelo que disseste,
parece que ficavas mais satisfeito se fosse um cinto. Mas podes escolher.
- Escolher, como?
- Volto a receber as calças e
dou-te um cinto. É isso que queres? O que preferes?
- Senhora madrinha Georgina,
eu, eu preciso mais das calças. Elas são muito bonitas.
- Então leva as calças. E toma
lá este outro embrulhito oferta do Padrinho.
O Inácio abriu freneticamente o
outro embrulho. E qual não foi o seu espanto quando viu que era um cinto de
cabedal. A alegria era tanta, que para dar a novidade aos amigos, virou as
costas aos padrinhos sem se despedir. Mas a madrinha chamou-o à atenção que
isso não eram boas maneiras…
- Ainda não te demos as
amêndoas da Páscoa e para isso é que cá vieste, para receberes o folar da
Páscoa. Ora o folar, o ano passado foi…
E o Inácio não se contendo
atalhou rapidamente:
- Foi o casaco, porque ia para
a escola.
- Receber o casaco e
agora as calças e o cinto, é porque és um bom rapaz que ajudas a tua avó e és
educado e bom estudante. Assim os padrinhos gostam muito de ti. E toda a gente gosta de ti por seres um bom rapaz. Mas as amêndoas e o bolo, é que são o Folar da Páscoa.
Aqui neste saquito tens as am
êndoas e o bolo, ofertas dos padrinhos, que é a tradição receberem-se
na Páscoa.
Aqui neste saquito tens as am
E
o Inácio, um pouco atrapalhado, sem saber o que dizer, lá conseguiu articular
“a sua benção minha madrinha”, “a sua bênção meu padrinho”.
E foi vê-lo a saltar as escadas duas a duas com a alegria, e os
padrinhos preocupados não fosse ele cair e magoar-se. O Inácio era ainda uma
criança.
Espero que os meus leitores tenham gostado desta pequena história. Porque não me contam uma história passada convosco? Deixam no lugar dos comentários. Eu irei lê-la com certeza. Se me deixarem o vosso email, responderei. Valeu? Combinado? Fico à espera.
Aproveito para vos desejar, assim como à vossa família UMA PÁSCOA MUITO FELIZ. Abraço da Celeste Cortez
Celeste Cortez, escritora de romances, literatura infantil e poesia. (Portugal).
Gostei imenso da história da Páscoa.
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