“Moçambique — Chimoio, Vila Pery:
Apesar da dor que sentia no peito, que mal
me deixava respirar, não poderia parar. O sol que, quando deixara a casa do
Simião, parecia uma enorme bola de fogo amarelo-avermelhada, tinha já
desaparecido para os lados da Serra do Vumba.”
Assim começa o
romance Mãe Preta.
Celeste Cortez,
relata-nos, de forma muito peculiar, a vida de uma jovem moçambicana cuja ambição
maior era, simplesmente, SER MÃE. Lina é a personagem central deste enredo que
embora sendo ficcional é também um relato, bastante elucidativo, do que foram
os aspetos sociais e culturais de Moçambique durante o período colonial.
Lina, uma
jovem mulher moçambicana, que por imposição da família (pai) casara com um
negro assimilado, descreve-nos de forma quase poética o périplo da sua
atribulada vida. A descrição vai deambulando entre a sua infância e a vida
adulta, entre vivências dolorosas do quotidiano e divagações pelas memórias
mais remotas de momentos felizes … com breves incursões sobre a história e a
cultura do seu povo, como forma de justificar ou explicar, perante o leitor, a
razão de ser de alguns episódios.
Com frequente
recurso a expressões idiomáticas, a termos dos diferentes dialectos falados em
Moçambique e a expressões que traduzem, literalmente, a oralidade, o leitor é
convidado a viajar no tempo e no espaço, “presenciando” em loco os diálogos dos diferentes interlocutores.
Este romance faz também uma caracterização
socioeconómica de Moçambique na época colonial, referencia as principais
ocupações profissionais da época, que vão desde o trabalho nas grandes
plantações de algodão, a
migração de trabalhadores para as minas de ouro da então Rodésia (actual Zimbabué)
e da África do Sul e a agricultura, para sustento próprio, desenvolvida, essencialmente,
pela mão-de-obra feminina.
Também o trabalho como serviçais, em casa dos senhores brancos (muzumgos/mulungo),
era prática corrente.
Geralmente, as jovens das aldeias cedo começavam a fazer pequenos
serviços em casa dos patrões. Também Lima não fugiu à regra. Cedo começou a
cuidar dos meninos brancos e a ter contacto com a cultura ocidental – outras
mentalidades, outros costumes, outras tradições – foi, assim, assimilando
facilmente os costumes e a religião dos brancos, embora jamais perdesse as suas
características africanas, como o linguajar e as crenças nos seus deuses
primitivos.
O contacto e assimilação de outras culturas
resultaram num conflito entre as idiossincrasias tradicionais e de modernidade
relativamente ao entendimento da sua condição de mulher moçambicana. Determinadas
práticas culturais são reavaliadas o que a levará a questionar costumes
bastante enraizados da sua cultura, como a prática do lobolo ou da
poligamia.
Ao longo do romance, Lina vai-se revelando uma alma dotada de sentimentos extraordinariamente
nobres, uma mulher que nada mais ambiciona do que SER MÃE, o poder dar o
seu amor maternal de forma incondicional.
Os anos foram passando e Lina não conseguira realizar
o seu sonho – a maternidade. Contudo, a mãe preta que ama os filhos que não
teve, descobriu que o amor que tem dentro dela pode ser oferecido a outras crianças. E a uma em especial.
Uma escrita viciante e cheia de surpresas, guiada por uma voz feminina que acompanha toda a narrativa.
Uma escrita viciante e cheia de surpresas, guiada por uma voz feminina que acompanha toda a narrativa.
Rosa
Maurício (Bibliotecária da Biblioteca Municipal de Carregal do Sal)
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