A melhor prenda de Natal
Já havia algum tempo que o conhecia. Era um simpático ancião de aspecto lavado, figura meã já algo curvada pelo peso dos seus mais de oitenta anos. Tinha uns invejáveis olhos azuis que nos olhavam meigamente, tal como os dos avós contemplam os netos. Tinha sido funcionário das Finanças e era agora um viúvo sofrido.
O avozinho, como alguém o apelidara, deambulava matinalmente por aqueles cem metros onde o comércio se implantara, nas arcadas, perto da minha casa.
Quando ali me deslocava para matar o vício cafezeiro lá o via eu, ora se aquecendo numa réstia de sol, ora saboreando uma meia de leite, ora palestrando com o talhante, ou, ainda, na loja que era uma mescla de papelaria, retrosaria, venda de jornais e outras coisa mais, trocando impressões, recordações e confissões com a caixeira.
Um dia, quando entrei na loja para comprar um jornal, vislumbrei-o a um canto, folheando uma revista, aparentemente alheio ao que se passava em seu redor.
A empregada atendia uma senhora relativamente nova mas de postura e olhos fatigados, de certo espelho da vida madrasta que lhe ia consumindo a descorada juventude. Ao seu redor saltitava uma pequenita de cabelos louros e crespos e olhos deslumbrados perante a exposição, tão colorida, de uns tantos brinquedos. O seu vestidinho, meio surrado, denunciava a pobreza em que vivia.
A menina pegou num fofo ursinho de peluche que estava no balcão e, chegando-o a si, deu-lhe um abraço e, depois, voltou a pô-lo onde estava.
Vi então o meu vizinho. de olhos de avô, fazer um sinal à caixeira que, sem dar mostra de haver entendido o seu gesto, pegou no peluche e, a sorrir, deu-o à menina: “Toma, é para ti”, disse ela, “é uma prenda do Pai Natal”.
A pequenita segurou, hesitante, o brinquedo, quase não acreditando na oferta e a mãe, também a começo incrédula, desfez-se logo em mil agradecimentos.
Depois a senhora pagou a fita de nastro que comprara e, dando a mão à filha, saiu da loja.
A empregada sorriu quando eu comentei a situação. “Ele faz isto todos os anos”, explicou. “Gasta assim o seu subsídio de Natal e não quer que eu revele o seu segredo. Confessou-me que Deus não lhe tinha concedido a graça de ter sido pai. A sua esposa sofrera muito com isso e agora, lá no Céu, haveria de gostar de ver as crianças felizes.”
Naquele fim de tarde, vendo afastar-se vagarosamente aquele bom velho solitário, a custo reprimi uma teimosa lágrima.
O generoso gesto daquele homem fez-me, afinal, reconciliar com este mundo tão egoísta pois acabava de me proporcionar assistir à dádiva da melhor prenda de Natal.
Carlos Brandão de Almeida
2010-12-01
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