terça-feira, 3 de novembro de 2015

NÃO, NÃO É CANSAÇO...

Para alunos de estudos de "LITERATURA COMPARADA" vou começar por recordar: Álvaro de Campos, in "Poemas"

 Não, não poderia deixar de ser um poema de ÁLVARO DE CAMPOS, um dos heterónimos de FERNANDO PESSOA. Este NÃO... é habitual, a frase no negativo é usual. Veja-se o poema TABACARIA. E o cansaço? É só lembrar outro poema com o título CANSAÇO, do mesmo heterónimo. 
Começa negando ser cansaço, mas finaliza afirmando "ser cansaço". Dá tantos testemunhos de que não é cansaço, são desilusões, domingos às avessas, um feriado passado no abismo! É um cansaço porque as coisas se repetem, são cópias apenas! 
Álvaro de Campos chega a dizer que "se soubesse" não haveria nele esse "falso cansaço". Mas acaba confessando ser CANSAÇO.  

Não, não é Cansaço...

Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
E um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...

Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.

Não. Cansaço por quê?
É uma sensação abstrata
Da vida concreta —
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...

Como quê?...
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.

(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)

Porque oiço, vejo.
Confesso: é cansaço!...

Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa   

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