terça-feira, 24 de setembro de 2013

HOMENAGEM PÓSTUMA AO POETA ANTÓNIO RAMOS ROSA



ANTÓNIO RAMOS ROSA nasceu no Algarve em 1924, faleceu ontem, dia 23 de Setembro, (quase com 89 anos). de pneumonia, depois de ter estado internado no Hospital Egas Moniz.

Foi um dos maiores poetas portugueses da atualidade, não só pela qualidade dos seus poemas como pela obra publicada.
Recebeu diversos prémios literários.

Doou o seu espólio literário à autarquia de Faro, de onde é natural. A Biblioteca de Faro tem o seu nome. Há um prémio literário instituído com o seu nome. 

Poemas seus:


Quem escreve

Quem escreve quer morrer, quer renascer
num ébrio barco de calma confiança.
Quem escreve quer dormir em ombros matinais
e na boca das coisas ser lágrima animal
ou o sorriso da árvore. Quem escreve
quer ser terra sobre terra, solidão
adorada, resplandecente, odor de morte
e o rumor do sol, a sede da serpente,
o sopro sobre o muro, as pedras sem caminho,
o negro meio-dia sobre os olhos.



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A Mulher 

Se é clara a luz desta vermelha margem 

é porque dela se ergue uma figura nua 
e o silêncio é recente e todavia antigo 
enquanto se penteia na sombra da folhagem. 
Que longe é ver tão perto o centro da frescura 

e as linhas calmas e as brisas sossegadas! 
O que ela pensa é só vagar, um ser só espaço 
que no umbigo principia e fulge em transparência. 
Numa deriva imóvel, o seu hálito é o tempo 
que em espiral circula ao ritmo da origem. 

Ela é a amante que concebe o ser no seu ouvido, na corola 
do vento. Osmose branca, embriaguez vertiginosa. 
O seu sorriso é a distância fluida, a subtileza do ar. 
Quase dorme no suave clamor e se dissipa 
e nasce do esquecimento como um sopro indivisível. 

António Ramos Rosa, in "Volante Verde"

A delicada majestade

Um dia poderás chegar, tu que nunca chegas
porque não és um tu 

ou porque chegas sempre em não chegares. 

Subi um dia por uma escada silenciosa 

e em torno era um pomar branco, tranquila maravilha 

e eu senti, eu vi, adivinhei 

a divindade amada, a soberana e delicada 

majestade. Que suavidade de oriente, 

que suave esplendor! Era o fulgor de um sono 

límpido, entre olhos verdes, entre mãos verdes. 

E num repouso de oiro adormecido era quase um rosto 

Antiquíssimo e inicial. Contemplava 

a quietude de um imenso nenúfar 

e a fragância era quase visível como um mar entreaberto. 

Era um rio detido ou uma tersa nuca ou um braço estendido 

que descansa entre ribeiros primaveris 

ou era antes a serena felicidade 

e era uma boca da terra que não cantava que não dizia 

o silêncio ardente que no peito de espuma cintilava. 


António Ramos Rosa

ACORDES, QUETZAL EDITORES
1990
  

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