domingo, 22 de agosto de 2010

DESPEDIDA DE MOÇAMBIQUE - I -



ESTA VIAGEM ERA A DESPEDIDA DE MOÇAMBIQUE!


Cada passageiro teve direito a despachar apenas os vinte quilos que a lei permitia. Assim, sem contemplações por uma vida desfeita, onde tantos anos de poupanças e sacrifícios monetários teriam de ficar para trás.

Sem poderem sequer levar as melhores recordações: quadros pintados ao longo dos anos, mantas de retalhos que teriam sido feitas com tanto amor nos longos dias de verão, livros que lhes teriam sido oferecidos por pessoas que, nunca mais veriam, mas que iriam recordar para sempre!


Esta viagem era a despedida de Moçambique!


Não podendo despachar mais dos que o permitido por lei, por isso, na mão de cada um deles, tantos embrulhos, caixas de cartão, malinhas, sacos!

Logo à entrada da sala de espera do aeroporto de Lourenço Marques, fomos avisados pelos altifalantes que o máximo permitido em mão, era um volume que coubesse no compartimento que se situava por cima da cabeça dos passageiros.

Recordo-me que me agarrei com força ao saco de tecido, que servira para a fábrica de moagem transportar farinha pra os panificadores e para os lojistas do mato, e eu enfeitara com uns retalhos de tecido e uns bordados com linhas grossas.

Como poderia embarcar sem levar as nossas duas almofadas e os dois cobertores? Quando chegassemos a Portugal, sem família, sem amigos, sem emprego, como poderia comprá-los?

Olhei à minha volta e reparei que, como eu, todas as pessoas tinham a seu lado alguns volumes que seguravam como se ali estivessem depositadas as mais preciosas jóias do Mundo.

Nessa altura, chamaram para embarque e em fila seguimos para o avião, num silêncio que poderia ser cortado com uma faca. Sem querer, pensei num enterro. Pelo meu corpo perpassou um arrepio que me fez gelar. No Búzi, tinha deixado o corpo de minha mãe. Em Vila Pery, o de meu pai. Porque é que as pessoas de quem gostamos não nos acompanham toda a vida? Ou pelo menos enquanto precisamos delas?


Parte do capítulo XXIII - extraído do romance O MEU PECADO, registado na SPA sob o nº. 24698 em 25-09-2006. Todos os direitos reservados.


Não pode ser reproduzido, no todo ou em parte, por qualquer processo mecânico, fotográfico, electrónico, ou por meio de gravação, nem ser introduzido numa base de dados, difundido ou de qualquer forma copiado pra uso público ou privado - além do uso legal como breve citação em artigos e críticas - sem prévia autorização escrita da autora.


Autora: Celeste Cortez - endereço electronico: celeste.cortez@hotmail.com

domingo, 15 de agosto de 2010

BATALHA DE ALJUBARROTA - 14 DE AGOSTO

BATALHA DE ALJUBARROTA - 14 DE AGOSTO

Lembrei-me da Branquinha que hoje faz anos. Telefonei mas tinha saído para compras. É hospedeira da Tap . Conversei com uma amiga que estava lá em casa a tomar conta da mãe D. Maria Jorge Serra. Como o tempo passa, a senhora lembrou-me que a minha boa e querida amiga D. Maria Jorge, de quem, desde pequenina me lembro, já tem 92 anos. Hoje vejo que é bem parecida com a prima, embora esta com outro tom de pele e cabelo Drª. Maria de Jesus Barroso.
Pequenina a D.Maria Jorge, cabelo muito preto, muito encaracolado, de bata branca, sempre de bata branca. Viviamos paredes meias com ela. Na mesma casa que tinha sido uma vivenda onde murou seu cunhado Armando Nunes, dono da Sociedade de Agências, empresa grande que vendia automóveis, noMaquinino, onde meu pai era guarda-livros. O Sr. Serra trabalhava no escritório, era meio-irmão do Armando Nunes. Também lá trabalhava o filho do Armando, Júlio que veio a casar com a Marlene. (A ultima vez que a vi foi em Dezembro num almoço dos Beirenses, em Oeiras.)

Meus pais e o casal Maria Jorge/Sr.Serra, repartiam a casa, para não custar tanto a pagar. Na Beira, devia ter sido nos anos 1955/1956 as casas eram caríssimas. Por isso a Branquinha pode dizer que minha mãe, velava para que a empregada fizesse tudo correcto. Depois da menina arranjadinha, minha mãe ficava a ver a empregada seguir até entrar na Casa de Saúde, quando esta era próximo da nossa casa, na esquinha do Jardim em frente ao S. Jorge (ao lado do Colégio Luis de Camões), na rua do Campo de Basquetebol do Sporting. Só no ano seguinte, nós arranjámos uma casa maior, também em frente ao mesmo jardim, entre o Colégio das Méres e o S. Jorge. A D.Maria Jorge, Sr. Serra e Branquinha foram viver em frente ao Jardim do Bacalhau, do outro lado da casa do Jeorel de Carvalho, pai do nosso grande amigo João Carvalho das Neves, que foi campeão de Moçambique de tiro aos pratos. Gente que nos deixou saudades.

De toda esta gente, só a D. Maria Jorge, a Branquinha e a Marlene ainda vivem. Filha da Armanda é a Céu Portugal, que encontramos nos almoços dos beirenses.

E aqui fica a minha homenagem, a pessoas da Beira.
-Moçambique.

Como eu disse numa entrevista que foi publicada no Diário de Moçambique, talvez quando eu tinha 15/16 anos, sou beirã (da Beira Alta) por nascimento e pelo coração, sou beirense por amor e gratidão.

Afinal coração e amor, amor e coração, é a mesma coisa.



Pela parte do marido, o Sr. Serra, era tia do Julio Nunes e da Armanda Nunes e de outros. Do saudoso Manel, o mais amável dos primos. Pois. É isso. Tinha de morrer cedo, porquê? Ainda me lembro quando estivemos com ele, na sua casa em Joanesburgo, ao virmo-nos embora disse: até sempre. Manel, tu sabias que tinhas um cancro, será que tinhas esperança de fugir, de escapar àquele monstro? Não conseguiste Manel, como não conseguiram outros. Um dia, um dia, aquele cancro morrerá para sempre, não incomodará mais ninguém. E não virão outras doenças graves, não. Nós vamos viver e alimentarmo-nos, evitar o stress na nossa vida, de maneira que as doenças nem se aproximarão de nós.

Era enfermeira da Casa de Saúde da Beira-Moçambique. Era conhecida em quase toda a Beira, se não em toda a cidade. Depois das horas, era chamada para dar injecções aos meninos de toda a gente, sempre que eles precisavam.
Merecia, sempre mereceu ter mais descanso, mas a vida tem destas coisas.

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quarta-feira, 11 de agosto de 2010

O MEU HOMEM TERIA MORRIDO?

ToCortez Fotogafia Olhares - Direitos de Autor 
O MEU HOMEM TERIA MORRIDO?
O meu homem teria morrido? Deixei de o ver depois do meu regresso de férias. Andei uns tempitos sem passar por lá. O calor que tem feito ultimamente impediu-me de sair.
O calor? As pessoas dão sempre as maiores escusas para os seus actos.

Era habitual passar por ali, para atalhar caminho para ir para o meu escritório. Sempre que ia a pé, metia por aquele atalho debaixo do prédio, perto das bombas de gasolina, prédio que por baixo tem uma rua para os carros passarem e parquearem. Parque que com o hábito, se foi fazendo, entre duas grandes avenidas, Infante D. Henrique e Avenida 25 de Abril. E as pessoas passam por ali para encurtar caminho. Como andamos sempre com pressa, mete-se por um atalho. O ditado diz "quem se mete por atalhos, mete-se em trabalhos". Os trabalhos é o mal menor nesta história verídica. Mas, não saber se o meu homem morreu, e a minha consciência vacilar entre acusar-me ou absolver-me por isso, é que me dá vontade de nunca mais me meter por atalhos.
O espaço, o tal espaço que os motoristas usam como parque, grátis, e as pessoas utilizam para passar para atalhar caminho, não tem nem nunca teve, qualquer distico de reserva para parqueamento automóvel. Também nada escrito que afirmasse ou afirme que o parque é para transeuntes. Por isso teríamos e temos de conviver amigavelmente: carros e pessoas.
Quantas vezes mentalmente compus um bilhetinho para deixar no pára-brisas de algum automóvel, cujo motorista, sem pensar nos outros, parqueava de tal forma que não deixava espaço para os transeuntes terem acesso ao passeio da rua seguinte. Egoístas! E pensava: Não há nada pior do que a palavra "Eu", quando se conjuga os verbos Quero, Posso, Mando. e outros assim. Como uma palavra só de duas letrinhas, pode atingir proporções tão grandes e desastrosas!
Não cheguei a deixar nenhum bilhetinho. Ou ia com pressa, ou não tinha papel para escrever. Canetas, tenho o hábito de andar com algumas na mala. Sendo a caneta um objecto valioso, prestimoso e às vezes até prestigiante - se tiver boa apresentação - de nada vale, penso, se não se tiver o tão simples, tão humilde papel.
Quantas vezes tive de passar colada a um carro, com receio de passar no espaço inclinado para a ravina, único espaço deixado livre de carros. Lembrava-me que, se alguém caísse dali, poderia ter morte instântanea, ... ou pior, ficar inutil e sofrendo toda a vida.

Em Dezembro, no último Dezembro, já o inverno se fazia sentir, notei ao passar por debaixo do prédio, uma mini-barraquita feita de zinco, entre os vãos das colunas do prédio. Pensei: sou tão distraída, tão pouco observadora! Isto deve estar ali desde que a oficina de automóveis aqui está! E eu nem me apercebi! E a oficina já tinha desaparecido há uns tempitos. Tinha estado ali por uns largos anos.

No dia seguinte, vi umas almofadas grandes, de sofás, encostadas à parede. Almofadas desgastadas pelo tempo, como o homem que ali estava sentado.
Pensei com a minha ingenuidade : Não, o homem não pode viver ali, ao frio, sem qualquer conforto, sem qualquer pessoa com quem falar, sem contacto humano, sem família. Está ali à espera de alguém!
Depressa me desiludi! Encontrei o homem no dia seguinte, a mexer num contentor de lixo na transversal de uma rua próxima. O que andaria o homem a fazer no contentor do lixo?
- Provavelmente - respondeu-me baixinho a minha ingenuidade - o homenzinho, merecia este nome porque era baixote, um pouco barriguidinho - deitou lixo num saco e descuidadamente deixou cair o relógio. Talvez, quem sabe: Um anel. E a minha parte lógica, sem ingenuidade, começou a falar alto comigo:
- O homem anda à procura de restos: Restos de comida.
- Não, respondi também alto, em resposta à minha parte lógica. Não pode ser. O homem tem a barba mais ou menos cuidada. Está vestido e calçado embora com simplicidade. E tem uma cara normal.
- Então os pobres têm cara anormal? Não podem fazer a barba? Não têm necessidade da roupa e do calçado que são impostos pela sociedade? E então nesta época em que o frio está a começar...
- Pois. E a minha parte ingénua pediu desculpa à lógica. Obrigada por me completares. Que seria de mim se as duas fossem inimigas?
Quando cheguei a casa contei ao meu marido. Falei-lhe do homenzinho que... Ele acreditou de imediato que ele estivesse à procura de...comida.
- Mas comida no lixo? Está estragada, respondi-lhe! Quando se deita comida no lixo, ou está a mais na casa das pessoas - que pena o desperdício - ou está estragada. No contentor do lixo, que fica normalmente ao sol, vai aquecendo. A tampa do contentor, não deixa arejar. O que está certo: Se assim não fosse,  o que seria de nós com as moscas a irem ali dentro, regressarem e voltarem poisando em tudo que é sítio? E no nosso corpo também, já que também "é sítio"! 
Assim que cheguei à minha empresa, mandei de imediato um email a participar à entidade que, parecia-me, seria a indicada para tratar do assunto, sugerindo que o encaminhassem, ao email e ao homenzinho (chamemos-lhe assim, não sabemos o nome dele) para uma instituição apropriada.

TóCortez fotografia Olhares  Direitos de Autor 
Se tratou!!!... o homenzinho continuou lá até há ultima semana de Julho. A entidade não terá culpa, é que as entidades são compostas por pessoas humanas e desumanas. E no fim do mês paga a todas do mesmo modo, sem pôr na balança os bons ou maus actos. Nem o poderia fazer.
Passei por ali mais vezes. Tentei aproximar-me com o coração. Mas o homenzinho nunca foi muito cooperante. Olhava-me de olhos baixos. E só uma vez me lembro de ele me ter respondido: sim, está muito frio. Mas porque não usou o casacão azul marinho, aquela parka de meio corpo, que alguém lhe deixou lá quando ele não estava, e estava em muito bom estado? A camisola que usava, estava safada de velha. A parka ajudaria a enfrentar o frio. E se estava frio! Mas aquele agasalho, ali continuava a seu lado, dobrado em quatro partes, como que esperando mais para fazer a coleção de inverno. Porque o homenzinho parecia ser aptidao para colecionador. Ou teria ficado com o hábito depois de muitos anos de profissão como tal? Foi colecionando garrafões vazios que encontrava no lixo, uma ou outra almofada, cartões.
Há quem colecione selos, postais, caricas. São crianças de todas as categorias sociais: ricos e pobres. Depois de adultos deixam-se disso. Às vezes lá fica um bichinho e, com amor, continua o adulto a colecionar postais, selos, coisas de pouca valia, enquanto outros - os ricos - colecionam quadros de arte, relógios valiosos, jóias e brutos carros ou carros vintage. O meu homem - nome que um dia me saiu ao referi-lo ao meu marido e depois o nome pegou, como pegam os grandes chavões - foi iniciando novas colecções: caixas de plástico onde alguém lhe levava comida. Comida quentinha. Provavelmente algumas vezes feita de propósito para ele: um prato de bacalhau por exemplo. Quem sabe se alguém o teria feito, com amor e carinho, porque se a comida lhe sabia bem, também deveria saber bem ao homenzinho! As caixas de plástico eram de todas as medidas, de toda a forma, de todos os feitios. Com tampa, sem tampa. As que não tinham tampa, teria a comida sido entregue tapada com papel de alumínio? Acredito que sim. 
Acredito que, preocupada com aquele arsenal de caixinhas, caixas, caixonas, lhe tivesse dito: ponha dentro de um saquinho de plástico - que ele colecionava às centenas - e deixe ficar aqui de lado. Quando a pessoa lhe deixar comida - pois o homem não parecia ter telemovel e não seria possível combinarem o momento da entrega - essa pessoa leva o saco que tem algumas caixinhas, que servirão para trazer comida da pr
óxima vez. Além de olhar para um lado e para o outro, ou abanar muito ao de leve a cabeça como se tivesse compreendido, nunca o fez.
- E o cobertorzinho que alguém lhe ofereceu? Eu olhava, de soslaio, para a porta de zinco da tal casinhota, que raramente se encontrava entreaberta. Não só olhava de esguelha como apresadamente, não fosse o homem sentir que eu estava a invadir a sua privacidade.E a porta só estava entreaberta, raras vezes, e essas quando o meu homem ali estava sentado nas suas almofadas ou numa espécie de prateleira de madeira, onde se acumulava não só o peso do seu corpo, como as suas coleções. A prateleira tinha os lados assente em pedras, de certeza carregadas para ali por ele, com a sua habilidade de homem das cavernas que tem de aprender a sobreviver.
- Como é que o meu homem pode viver sem saber o que se passa no mundo, aquilo que tomamos conhecimento através da televisão, da rádio, dos jornais, das revistas, dos livros? Não se pode alimentar da informação que a sociedade passa de boca em boca! Fiquei mais descansada quando, ao sair mais tarde do escritório, nas tardes tornadas noites pelo dia ser tão curto, vi o meu homem num estabelecimento comercial, perto do seu domínio, a ver televisão, de pé, com sacos de plástico, vazios, na mão. Mas a minha preocupação continuou neste assunto, até que... adivinhem - o meu homem estava numa tarde solarenga, debaixo dum murito do jardim das galerias do prédio onde eu tinha o meu escritório, a desfolhar papeis, revistas, jornais. Uau! Senti-me feliz. Fui eufórica compartilhar com o meu pessoal. O meu homem sabe ler. E preocupa-se com o que o rodeia. Não fala, é certo, mas sabe falar, sabe ouvir, sabe andar, não parece tonto. É apenas uma pessoa infeliz. Talvez não tão infeliz por ser pobre, mas infeliz por não ter família que lhe dê amor. Decidi que era essa a razão por que ele estava desfasado da sociedade actual.
- Como é que o meu homem pode sobreviver se ficar doente?
-  Ele parece rijo, respondia-me o meu marido. A maneira simples como vive, sem stress, deve enrijá-lo.
Aceitei. Pouco poderia fazer além de aceitar. Ou poderia? Talvez. Mas a falta de conversa entre mim e o meu homem, que se negava a entabulá-la, evitou conversas, evitou que eu reclamasse mais da entidade oficial, também até porque, a esperança me dizia: as pessoas levam o seu tempo. E o tempo corria veloz, para eles e para mim. Não sei se o tempo também corria apressado para o meu homem...
Apesar de estarmos no distrito de Lisboa, onde o frio não é tão intenso como no Norte de Portugal, apesar de estarmos num lugar lindo e especial, com uma baía encantadora, não obstou a que neste inverno principalmente, as noites se tornassem gélidas. Meu marido dizia que era eu que estava a sentir uma parte do frio para que ( o meu homem como eu dizia, o homenzinho dizia o meu marido) não sentisse todo o frio na totalidade.
- Onde dormiria o meu homem? O espaço dentro da casinhota de zinco, não era mais largo do que um metro, isto na parte mais larga, e depois estreitava um pouco. E de comprimento, não teria mais de metro e meio. Ora o homem parecia ser mais alto do que um metro e meio. Para ali dormir teria de ser enroscado. Como dormem os cães. E os gatos. Os homens não têm de se enroscar tanto. Só às vezes e nunca por obrigação.
Desde o final do primeiro trimestre deste ano, deixei de precisar de passar por ali. A necessidade de férias era total. Tirei férias, faseadas em Abril, Maio e Junho. Uma semana em Abril e Maio e duas semanas em Junho. O calor impediu-me de ir logo, digo eu. Ou será que o meu amor pelo meu homem esfriou enquanto estive de férias? Esta é a verdade, não fui logo.
Ficou combinado de véspera com meu marido, que na tarde seguinte iriamos dar uma voltinha a pé, afinal, com o calor, tinhamos afastado esse hábito. Esse hábito? Hábito é rotina, e rotina nunca chegou a ser. Há sempre as desculpas: agora está frio, agora está calor. E mais uma escusa: Como sabes, dizia eu para meu marido, eu detesto vento.
Já era tempo de ir, eu estou a ficar gorda, horas e horas seguidas, de dia e de noite, a escrever no computador, ou a falar (menos do que desejaria) com alguns familiares e amigos no skype.
Disse para mim própria: então se tenho a possibilidade de ir passear, tenho de ter possibilidade de ir ver o meu homem. Não é só lembrar-me com preocupação, de vez em quando, mesmo nas férias. Como terá passado? Será que algum benfeitor o ajudou? Será que conseguiu tirar do contentor, alguma coisa que o ajudasse? Esta minha pergunta mental, repugnou-me, mas era sequência do que vi o meu homem fazer algumas vezes. Será que o seu dinheirito teria chegado para se alimentar durante este lapso de tempo? Suponho que tivesse uma magra pensão de 200 e tal €uros, porque cheguei a vê-lo, no fim de um qualquer mês, regressar com uma qualquer comprazita, num saco de um qualquer espaço comercial de vendas.
Eu queria ir sózinha. Meu marido só tinha ido comigo duas ou três vezes. Este era o meu homem, eu é que o tinha descoberto, eu.... eu gostaria de ser D. Isabel de Aragão. Meu marido seria D. Dinis? Não sei se gostaria, Não, prefiro o meu, o meu marido que não é rei. Também, e nisso tenho pena, não é poeta, como era D. Dinis. Nem mandou semear o pinhal de Leiria! (Quem sabe se a antever que uns séculos mais tarde a madeira do pinhal serviria para construir as naus das descobertas. Mas nem eu era a Raínha Santa nem ele o Rei.  Nem eu tinha géneros alimentícios (detesto o nome esmolas) que se transformavam em rosas nem meu marido era um Rei, (D. Dinis seria meio tirano?) que me perguntava (e eu da História nunca ouvi o som da sua voz) : O que levais no vosso manto Senhora?
E fui. Ainda era uma estirada entre a minha casa e o espaço ocupado pelo meu homem.
Tó Cortez fotografia Olhares - Direitos de Autor 
De longe vi que não se encontrava. Nem as suas coleções de garrafões, caixinhas e sacos de plástico. Aproximei-me num misto de emoções. Será que - até que enfim - a entidade, a sociedade, fosse quem fosse, teria arranjado uma nova morada para o meu homem? Será que ele teria agora refeições regulares? A tempo e horas? Teria a companhia necessária para uma vivência a que desde as cavernas o homem procurou? A casinhota estava com a porta escancarada. Lá dentro ainda as almofadas velhas de tecido estafado. Olhei em volta. Mais para diante. Na esquina, atrás de uns arbustos, ao lado do passeio da Avenida 25 de Abril, mal empilhados, jaziam os seus pertences, as suas coleções de caixinhas, de garrafões vazios, de cartões meio esfarrapados, de alguns frascos de vidro, algumas roupas cossadas, cobertores ou bocados deles, desgastados pelo tempo. Pareciam mudos à espera de um carro do lixo que passaria depois da meia noite, e ruidosamente os arrebatasse para serem revolvidos num torvelinho que os faria gemer de dor.
Ainda perguntei algumas vezes: Onde está o meu homem? Para onde levaram o meu homem? Mas era apenas a voz da minha imaginação.
A minha parte lógica tinha vindo ilógicamente perturbar-me. Nem a deixei falar. Gritei-lhe: Não, não pode ter morrido. Se não morreu com tanto frio, não morria agora com todo este calor! Mas arrependi-me e disse baixinho: Será que morreu? Será que o meu homem morreu?
Quem souber que me responda. Sim?

Celeste Cortez

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O meu pecado

30 DE JULHO DE 2011: 2ª. EDIÇÃO DO ROMANCE
"O MEU PECADO, brevemente. 

A autora Celeste Cortez. Residiu em África 42 anos - 25 dos quais na Beira (2 em Vila Pery). 

Não é o meu pecado, leitor.
Nem o teu.
Nem o seu.
É o pecado de que todos se penitenciam. Até o velho padre! Quem diria! Será ele culpado?
-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x
Pequeno extracto de um livro de 400 páginas. O MEU PECADO, registado na Sociedade Portuguesa de Autores sob o nº. 24.698, a 24-09-2006. Publicado em Agosto de 2007. Segunda edição a sair em 2011. Brevemente. Peça o seu exemplar.
- Deus me valha, Deus me valha. Deus perdoai a esta gente má, que estão a difamar as melhores pessoas desta terra. Como é que isto foi possível, Santo Cristo? Tanta maldade neste mundo. Senhor, perdoai-lhes que não sabem o que dizem.
E o bom do velhinho foi passando as contas do seu rosário, interrompendo ao fim de cada Avé Maria para pedir perdão para os que inventaram tanta maldade.
Mas passados uns instantes, como que picado por uma abelha, apressou o passo quanto era possível ao seu reumatismo e foi dizendo como se falasse paa os botões da sua batina, sem olhar para a senhora Gertrudes:
- Vou falar com o ...............
A senhora Gertrudes ia a abrir a boca para lhe dizer que o almoço ficaria pronto em menos de meia hora, mas, nessa altura, ouviu a carroça com a mula a sair do pátio da paróquia.
Gemendo de dores das suas articulações, foi-se chegando à cozinha para acabar o almoço que tinha deixado adiantado quando de manhã tinha saído para a feira. Antes lá não tivesse ido, disse em voz alta. E completou: Para ouvir coisas destas... Mas não pode ser verdade. Não é verdade. Malditas más línguas, línguas peçonhentas, rematou zangada.

Reprodução interdita sem autorização por escrito da autora.







LIBERDADE DE EXPRESSÃO - O HOMEM


O homem, foi, é e será um ser complexo. Ontem teria direito a ser amado pela sua sabedoria posta a favor do seu semelhante. Hoje poderá fazer as mais odiondas loucuras contra os outros. E amanhã como se comportará?

Costumo pensar que os bons nem sempre procedem bem e os maus nem sempre procedem mal.

Vem a propósito de um homem famoso em Portugal. Como homem, as suas acções repugnam-me.
Como dirigente desportivo - apesar de não ser do seu clube - admiro-o quase sempre.

Hoje, o que ele disse, conforme o que nos foi mostrado na televisão, é um homem que demonstrou estar ao lado de quem merece, mesmo correndo o risco de ser mal visto por milhares e aplaudido por outros tantos. Mas deu a cara. Poderia ter ficado calado. E não correria o risco de ficar mal visto por uns quantos.

E agora? Aplaudo quem? ao homem que repugno ou ao dirigente desportivo que aprecio? Quem esteve certo, foi o homem. Mas, repito, como homem as suas acções são baixas, para o tipo de homem que idealizei, ou comparativamente aos homens com quem conviví: meu pai, meus irmãos, meu marido.

Por mais que procure entender, não me parece que a acção deste homem, em defesa de outro, em frente a jornalistas da televisão, tenha sido o resultado de ser dirigente desportivo, porque, como tal, ainda há bem pouco tempo criticava aquele a quem agora defende.


Falta de coerencia da sua parte? Não! Definitivamente não!!! Apenas o homem que erra muitas vezes e outras acerta. Igualzinho a todos nós.


Só posso dizer: o homem foi, é e será um ser complexo. Complicado mesmo. Nem sempre o homem bom procede bem. Nem sempre o homem mau procede mal.


É a minha hora de escrever. Por volta da meia noite. Pensando que era dia 10 de Agosto de 2010, mas... já a noite está a dar a mão à madrugada do dia 11 de Agosto de 2010.

Celeste Cortez

LOURENÇO MARQUES - ANOS 60


Chegada da Ritinha a Lourenço Marques:
Olha Ritinha, esta é a Avenida D. Luís,  aquela  a Praça Mousinho de Albuquerque,a Catedral - é linda não é? - a Câmara... Sabes, disseram-me que a grande fadista Amália Rodrigues cantou nas escadarias a primeira vez que veio a Moçambique. Ali é o cinema Manuel Rodrigues. Aqui a Avenida da República, do lado direito é um dos cafés mais famosos de Lourenço Marques, o Continental. É muito engraçado, querida, no Continental, reúnem-se os adeptos do Sporting. Em Portugal chamam-lhe leões ou lagartos, aqui são conhecidos por chacais. etc.etc, etc, etc, etc, etc, etc, (ler no romance).....
Ah, com esta conversa, esqueci-me de dizer que do outro lado do Continental é outro famoso café, o Scala, onde se reúnem os adeptos do Desportivo. Para te ser sincera, não sei onde se reúnem os do Ferroviário...etc....etc...etc...etc...
- Estás a gostar da cidade?
- Sim, sim,estou a gostar muito, disse meio ensonada pelas tristes emoções porque acabara de passar na noite anterior. Mas, estava a achar a cidade tão bonita que não poderia deixar de acrescentar: as avenidas são largas, quase todas divididas ao meio por árvores frondosas, há prédios de rara beleza arquitectónica e a Baía...
- Baía do Espírito Santo, acrescentou a Lili.
- Pois, a Baía parece abraçar a cidade. É uma cidade muito bonita, como a Beira, acrescentei com o bairrismo característico dos Beirenses, mas Lourenço Marques é um pouco maior.
- Eu sei que a Beira também é muito bela. Todo o Moçambique tem encanto. Fiz há uns meses uma passeio até ao Norte, de barco, vi algumas cidades: Ilha de Moçambique, Ibo, Nacala, Porto Amélia, Nampula, Quelimane e Beira. Gostei muito de Quelimane. As cidades em Moçambique são mais novas do que em Portugal, por isso bem diferentes: ruas mais largas, alcatroadas, cheias de luz, com acácias ou outras árvores floridas nos passeios. Valeu a pena ter vindo a Moçambique, vou sempre recordar-me com saudade.
- Foi pena não ter ido a Vila Pery, no Chimoio. É uma vila com avenidas larguíssimas, tem nos passeios enormes jacarandás que, na altura da flor cair, cobrem os passeios de lilás. Felizmente,  etc...etc...etc...etc...
Lili apertou a minha mão carinhosamente, e perguntou-me:
- Estiveste em Téte também? Disseram-me que é uma cidade bonita mas muito quente.
Notando que eu ainda estava triste, acariciou-me novamente a mão e continuou: E Inhambane? Um dia hás-de visitar porque é perto de Lourenço Marques. Chamam a Inhambane a terra da boa gente, sabias?
- Sei, sim, respondi-lhe.
A Lili tinha tentado distrair-me com a sua conversa, para eu não pensar no meu pai. Mentalmente, senti-me grata pela sua bondade.
- Depois do almoço, vou levar-te a conhecer os bairros mais modernos de Lourenço Marques: Sommershield e Polana. Só pr'a gente rica, querida. só pr'a gente que tem dinheiro. Vais ver a igreja mais linda que podes imaginar: a Igreja de Santo António da Polana. Aquilo é o que eu chamo o sonho de um arquitecto inteligente. É a combinação de gomos de laranja e guarda-chuva aberto. Ou será um espremedor de laranja, talvez. Uma beleza! E os vitrais? Bom espera para ver, afianço-te que nunca viste nada igual ou até parecido, querida, já que nunca foste a Portugal onde há monumentos com vitrais antiquíssimos.  Noutro dia mostro-te o Jardim Vasco da Gama que tem uma entrada linda e o Jardim Botânico também vale a pena ser visto. Agora vamos almoçar que são horas, querida.

Frente ao mar, o restaurante Peter's era lindo e acolhedor. etc. etc.


Extraído do romance O MEU PECADO, registado na Sociedade Portuguesa de Autores sob o nº.24.698, em 21-09-2006. Publicado em Agosto de 2007.

 2ª. EDIÇÃO A SAIR EM SETEMBRO DE 2011

 pedidos à autora.

Celeste Cortez








domingo, 8 de agosto de 2010

MOÇAMBIQUE - Federação da África Austral ?

Parte do capítulo XXII - pag.200 do romance O MEU PECADO - Registo na Sociedade Portuguesa de Autores sob o nº. 24.698 em 25-09-2006. Publicado sob o ISBN 978-989-200-757-1, em Agosto de 2007.



Em MOÇAMBIQUE, depois dos graves problemas do dia 7 de Setembro de 1974, passou a haver dois movimentos de cidadãos, além dos movimentos políticos até então (pouco) conhecidos. Eram os "cavo" e os "fico". Claro que os do "cavo" eram objecto de troça dos "fico".
Também Ritinha pensou sempre que era dos que ficavam em Moçambique.
Sem se preocupar se o Engº. Jorge Jardim conseguiria, como muita gente dizia, fazer uma Federação da África Austral, reunindo brancos e negros que tivessema amor àquelas terras africanas, que poderia incluir ou não a África do Sul - governada por brancos com problemas com o "apartheid" - a Rodésia governada pelo 1º. Ministro Ian Smith, o Malawai governado pelo negro Dr. Banda e Moçambique, a Ritinha continuava a sua vida normal. Trabalhava no escritório de dois advogados célebres e estudava de noite, para continuar o seu curso de Direito. Já tinha acabado o terceiro ano. Quantos sacrifícios!
Quando podia ir às aulas nocturnas, deixava a Raquel com uma amiga do apartamento do lado, a Dina. Gostava muito dela. Tinham sido colegas de escritório e tinham filhas da mesma idade. Era uma casa de gente bem disposta! O marido da Dina adorava entreter as miúdas e o filhito deles com jogos.
A brincar não lhe chamava Dina, mas "prima casamenteira", porque a Dina tentava apadrinhar, incentivando, os seus pretendentes.
Nunca pensou que o Dr. Almeida Bento (?) e o Dr. Soares dos Santos (?) fechassem o escritório de advogados onde trabalhava. E foi com enorme tristeza que se convenceu que Dina estava a dizer a verdade.
- Então, Ritinha, o teu patrão manda cá para fora postas de pescada, "que fiquem, que fiquem, que isto vai ser um grande país", e acabo de saber por um despachante que ele já mandou para Portugal um contentor com tudo quanto é bom e vai mandar outro! Disseram-me que até mandou pedir a pessoas amigas que tem na Beira, para lhe comprarem bandejas e ânforas indianas, porque aqui estão esgotadas!!!
- Não acredito, Dina, desculpa, mas não acredito. Sempre o tive como uma pessoa coerente.
- Então não é!!! Tão coerente que há anos que transfere dinheiro para a Suíça, quando uma família que quer pagar uma operação a um filho na África do Sul, tem dificuldade no Conselho de Câmbios para transferir umas centenas de Escudos para converter em Randes.
- Ó Dina, às vezes, são mais as vozes que as nozes.
- Continuas a ser sempre a mesma ingénua, Ritinha. Assim, não vais longe. Olha amiga, nós tomámos a decisão de ir para o Brasil. O meu Tomás tem lá um irmão que vive bem e telefonou ontem para irmos, que nos recebe por uns tempos e dá emprego ao Tomás.
- Mas... tu também eras dos "fico" Dina!
- Disseste bem, "era", mas o ser humano muda de ideias, Ritinha. Como podemos ficar aqui, se a maioria das professoras do Liceu está a ir embora? São mulheres de tropas e eles acabaram a comissão ou o diabo que os carregue, quem fica mal é a arraia miúda. Lembra-te que para o ano as nossas filhas entram no Liceu...
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